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Rica Pancita analisa os lançamentos da sexta #40

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Semaninha ó: difícil de novo. De novo. Tem muitos lançamentos #relevantes, mas não tem muitos lançamentos #top. Eu tô atrás é dos lançamentos tops, os relevantes cês encontram gente falando por aí em outras mídias. Mas enfim, foi fraquinho.

Se pá é da época do ano, meio do ano dá uma lesêra mesmo na galera, todo mundo já pensando no 13º e tals. Num posso cobrar muito também dos artistas.

DITO ISSO… bora pros lançamentos que teve.

Vem.

----AS MELHORES----

Cut Copy - "Standing In The Middle Of The Field"
Boazinha essa. Não conheço praticamente nada da banda, mas lembrou mais ou menos o Hot Chip essa música. Meio na moralzinha, mas boa de ouvir até.

Bife Simples & O Carabala - EP
Um som rockão sujo visceral vocais berrados letras engraçadex que, se jovem, eu provavelmente estaria curtindo muito. Hoje, na madruga, com uns drink na cabeça, eu gostei mais do que deveria gostar. Enfim, gostei mais do que deveria desse EP. (A última música é ruim).

Bebe Rexha - All Your Fault: Pt. 2
EP com uns pop trap e uns pop que é só pop mesmo. Tirando a última música, que é bem meia boca, as outras são até boazinhas de se ouvir. É bem de pop de FM mesmo, mas ok.

Bomba Estereo - Ayo
Latinão pop batidão bem maneiro de se ouvir. Num é aquela parada reggaeton repetitivaço, dá uma variada boa a cada faixa. Gostei legal de ouvir esse aqui.

Boyfriend - Never End
Epzinho de k-pop bem maneirinho. No comparativo do que teve essa semana de lançamento, tá bom até demais. Abra seu coraçãozinho pros k-pop.

----AS ATÉ QUE BOAS----

João Bosco - "Onde Estiver"
Violão pra lá de bem tocado, mas curti médio a produção e o João Bosco cantando. É boa, mas naquelas né. Várias melhores de tar ouvindo.

Grupo Revelação - "A Vida É Pedreira"
Bom pagodão feat. Péricles do Exalta. Entra na lista "samba e pagode 2017 só as boas".

Sain - Dose de Adrenalina
Disco que vai variando entre o mais tradicional rap com sample de jazzinho (que sinceramente me agrada mais), e o trapzinho mais atual que tem (que me agrada menos). No geral, o disco é bom, apesar de ter umas instrumentais muito manjadinhas. O cara cantando eu curti médio.

Correria - "Vida Real"
Vários cara falando uns papo aí enquanto de fundo rola um trap. Uns papo são bons, uns papo são desinteressante de tudo. De fundo um trap.

Rimas e Melodias - "Origens"
"Várias mina falando uns papo aí enquanto de fundo rola um trap. Uns papo são bons, uns papo são desinteressante de tudo. De fundo um trap", PORÉM, varia mais as batidas ao longo da música. Lá pro meio fica bem top. Aí no final entra um EDM caído.

Jessie J - "Real Deal"
A #produça eu até que achei interessante a melodia e timbres e batida e tudo mais. É levemente diferente do padrãozão dos pop, mas bem levemente mesmo. Dá uma cansada no final, mas pelo menos fica uma expectativa boa pros próximos singles.

A$AP Ferg - "Nasty (Who Dat)"
Achei até que boazinha. Basicamente é isso que tenho pra falar.

Rejjie Snow - "Virgo"
Sonzinho até que gostosinho de ouvir mas que infelizmente uma hora cansa, já que fica repetindo repetindo repetindo repetindo. Se você não tem problema com isso, então vai curtir mais.

Guided By Voices - How Do You Spell Heaven
Nunca fui muito #ligadão no Guided, pra ser mais sincero. O som, na minha percepção, tá nos mesmos indie velho '90 (o famoso "guitar"), com uma voz meio cansada. É um bom disco. Se você for indie velho '90 (o famoso "guitar") provavelmente vai curtir esse.

Queens of the Stone Age - "The Evil Has Landed"
Tá um bom rockinho essa música. Começa meio qualquer coisa mas vai melhorando aos poucos. O riffzinho não é lá dos melhores, mas tá ok de qualquer jeito.

Robbie Williams - "Eyes on the Highway"
Eu curto um Robbie Williams bem tocadinho, o Escapology acho mó disco. Essa aí tá bem nos molde das baladinhas mais pop que tem dele. Curto. Vocês aí eu já não sei.

Fatboy Slim - "Boom F**king Boom"
Anos 90 total total total. Se tivesse vocal feminino dava até pra achar que tava ouvindo uma do Vengaboys. Então acredito que o fator #saudosismo é importante aqui pra curtir a música ou não. Mas tá boazinha.

Groove Armada - "Keep Rock In"
Outro eletrônico pra lá de anos 90, mas esse tem mais cara de Groove Armada mesmo (ou de alguma não lançada dos Chemical Brothers).

----AS OK SÓ----

AS QUATRO MÚSICAS DOS TRIBALISTAS
Vamo lá… Primeiramente, foi melhor do que tava imaginando (tava imaginando três "Velha Infância" e um "Já Sei Namorar"). Não posso afirmar que é bom, mas também não são umas porcarias. No mínimo duas músicas daqui ("Fora da Memória" e "Aliança") tendem a fazer parte do repertório de todo e qualquer artista voz-violão que atua em barzinho/restaurante/praça de alimentação do Brasil (e Portugal, tudo que é meio lixoso brasileiro pega bem em Portugal). Esses dias vi um cara fazendo voz e violão numa padoca até. "Aliança", como já dito pelo colunista especialista Chico Barney, vai tocar em casamento demais demais demais. Você vai ouvir "Aliança" num casamento, não há dúvidas disso.

De resto: a voz da Marisa Monte é bonitaça e rola legal o dueto com o Arnaldo Antunes ou com o Brown, a nível de voz. O Arnaldo Antunes recita os poema caído dele num timbre grave que varia entre o grave-sedutor, e o grave-aquele-narrador-dos-trailer-brasileiro. O INDICADO AO OSCAR Carlinhos Brown de fato faz umas melodias muito bonitinhas de se ouvir (o instrumental de "Aliança", por exemplo). As letras é aquela esquemão Arnaldo Antunes de sempre, de ir jogando as palavras que fazem parte do mesmo #universo aí joga aquele refrão mais facinho de memorizar. É a versão para adultos do Palavra Cantada. Só que pelo menos o Palavra Cantada é pra quem tá se alfabetizando ainda.

Liam Gallagher - "For What It's Worth"
Meio caidinha. Entra na lista "as mais melô banda pop rock do Oasis". Num dá uma empolgada em momento algum.

Kim Gray - Compulsion
É tipo uma versão mais pop-rock pro Mac Demarco. Não é de todo ruim, mas também num é nada de mais. Prefiro o Mac Demarco.

Fifth Harmony - "Angel"
T R A P Z E R A. Só que com a voz de girl band das mina aí. A minha questão é: Até quando vai ficar nisso daí?

Kesha - Rainbow
Veja bem. Num é bom não, eu achei. Começa com a baladinha no violãozinho mensagem anti-bullying (e aqueles outros bagulho lá que teve né), vai pra uma música com o Eagles of Death Metal que puta que pariu que popzinho maletinha, e aí pra várias lentinha e vertentes de pop manjadinhas. É um disco pra lá de apenas ok.

P!nk - "What About Us"
Pop segurando no pianinho aí o refrão sobe aquela batida #dedinho #pro #alto, e a voz da Pink que cê tá ligado. Toda a estrutura da música da Pink você com certeza já tá ligadão já também.

The National - "Carin at the Liquor Store"
Indie lentinha que é ok até, só que não me prendeu a atenção em nenhum momento. Aí acabou a música e eu tinha quase esquecido que tava ouvindo algo. Se prestar atenção na música aí é melhor.

The Horrors - "Something To Remember Me By"
Pop rock mais pro eletronicozinho. Meio oitentista se for ver bem. Achei ok, mas não é lá grandes coisas.

Pavilhão 9 - Antes Durante Depois
Voltando sendo o Rage Against The Machine brasileiro. Som de adolescente né. Se você for adolescente roqueirinho aí provavelmente nunca ouviu Pavilhão 9 antes. Talvez goste.

DJ Patife - "The Vibe Is Comin'"
O cara tá fazendo as mesmas paradas drum 'n bass até hojeeeeeeeeeeee. Não é possível. No és possibile.

Preta Gil - "Decote"
Okzinha até. Batida samba-funk-eletrônica-pop, comum com a Anitta, só que com a voz da Preta Gil. Ok ok ok.

----AS QUE INFELIZMENTE NÃO DEU NÃO----

Detonautas Roque Clube - "Nossos Segredos"
Carai. Baladinha "chega de brigar", com SUBIDA DE TOM no meio da música, e com o vocal do #Tico que parece que ele tá cantando no videokê meio tímido pelo pouco goró. Ficou meio ruim. (O solo de guitarra tá legalzinho).

Paulo Milkos - A Gente Mora No Agora
Vai variando do sambinha meio caído pro MPB meio caído e pras baladinhas de violão do Titãs meio caídas. Foi complicado ouvir esse disco inteiro. Achei que não iria conseguir. Mas rolou. Não gostei.


Pabllo Vittar cruzou a marca dos 100 milhões de views no YT

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Pabllo nasceu Phabullo, mas o mundo a conheceu Vittar. A diva que lacra desde 2015, quando soltou "Open Bar", quebrou a internet mais uma vez nesta sexta (11). O clipe de "K.O.", lançado em abril, ultrapassou os 100 milhões de views — uma marca nunca antes alcançada por uma drag.

Pabllo, que em janeiro lançou seu primeiro disco, Vai Passar Mal, já tinha visto "Todo Dia" virar o hit do Carnaval brasileiro 2017. Sim, o som que esteve no centro da treta de direitos autorais com Rico Dalassam.

Mas nada deve parar a Pabllo. "K.O." já foi ovacionado pelas também drags Shangela, Juju Bee e Laganja Estranja, ex-participantes do reality RuPaul's Drag Race. As divas publicaram um lip sync ao som do arrocha de Vittar. E até o MC Kevinho arrochou ao som da Pabllo no seu show no YouTube FanFest 2017.

A cantora que hitou junto com Anitta e Major Lazer no single 'Sua Cara', recentemente assinou com a Sony Music Brasil, com a promessa de lançar dois álbuns, sendo um deles para 2018.

Acompanhamos o ensaio do Emicida com o Fióti e o Rael pro Coala Festival

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Faz mais ou menos uns 11 anos que os irmãos Emicida e Fióti são parças do Rael: foi na Rinha dos MC's — batalha de rimas criada pelo Criolo e seu parceiro DJ DanDan — que o trio se conheceu. "O Leandro (Emicida) colava lá pra rimar e o Evandro (Fióti) ia junto, mas ficava quieto, só assistindo tudo", contou o ex-integrante do grupo Pentágono durante um ensaio dos três que o Noisey acompanhou, na última quarta-feira (9).

Foi no Estúdio Loop, localizado na Vila Madalena, zona oeste de São Paulo, que Emicida, Rael e Fióti se reuniram para preparar os toques finais para o show do próximo sábado (12), no Festival Coala 2017, que acontece no Memorial da América Latina, na capital paulista. É a primeira vez desde que o Fióti lançou seu EP de estreia, o samba-rock Gente Bonita (2016), que o três vão se apresentar nessa formação. Além das músicas do últimos discos do trio — Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa.. (2015), do Emicida e Coisas do Meu Imaginário (2016), do Rael —o show deve contar com músicas das antigas, com os três tocando juntos.

Foto: Larissa Zaidan/VICE

"Desde a primeira mixtape [do Emicida, Pra Quem Já Mordeu um Cachorro até que Eu Cheguei Longe (2009)], a gente toca junto. Então, temos bastante repertório para apresentar no sábado", disse Rael. "Agora que o Fióti [que sempre assumiu mais o papel de empresário do selo Lab Fantasma, pelo qual saem os trabalhos dos três artistas] resolveu voltar a ser artista, então…", brincou Emicida.

Foto: Larissa Zaidan/VICE

Inclusive, na tarde em que o Noisey os acompanhou, os três ensaiaram duas faixas não tão novas assim: "A Cada Vento", música da primeira mixtape do Emicida, e "Só Mais uma Noite", do disco Emicídio (2010). Além de registrar parte do ensaio, aproveitamos para trocar uma ideia com eles sobre uns causos, histórias engraçadas e uns perrengues que eles já passaram nesses 11 anos de amizade. Se liga abaixo no vídeo:

A quarta edição do Festival Coala acontece no próximo sábado (12), no Memorial da América Latina, na zona oeste de São Paulo. Além de Emicida, Rael e Fióti, o line-up também conta com shows de Liniker e os Caramelows, Aíla, Tulipa Ruiz, Rincon Sapiência e Caetano Veloso. Os ingressos estão esgotados. Para mais informações sobre o local e horário, clique link.

Mais fotos do ensaio? Aqui ó:

Foto: Larissa Zaidan/VICE
Foto: Larissa Zaidan/VICE
Foto: Larissa Zaidan/VICE

O que o meu pai acha do meu som?

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Pode ser que o seu pai tenha ido em todos os botecos mais pé-de-chinelo da sua cidade pra ver os primeiros shows da sua banda. Pode ser que ele tenha comprado sua primeira guitarra, pago suas aulas e aguentado você tocando no quarto até altas horas. Pode ser até que ele tenha todos os seus CDs, compartilhe fotos de você tocando no Facebook dizendo "meu filhão!!" e se gabe pros amigos dizendo que o filho dele é músico. Mas você sabe o que o seu pai realmente acha do seu som?

Buscando resenhas sinceras, nós aqui do Noisey fomos atrás de conseguir relatos dos pais de músicos sobre o som deles. Acho que podemos dizer que, se dependesse deles, a cobertura seria bem chapa-branca. Mas descolamos boas histórias de qualquer maneira.

Confira abaixo, e não se esqueça de desejar um feliz dia dos pais pro seu paizão.

Goethe, pai do João Carvalho (Sentidor)

"O que eu percebo como característica marcante nos trabalhos musicais do João é a maneira corajosa, por vezes arriscada, de como ele busca sempre se expressar através de novas formas musicais. Acho admirável quando ele se dedica com tanta vontade e perseverança na escolha de um projeto artístico que trilha o novo e o desconhecido ao invés de se deixar enquadrar pelos padrões da grande indústria."

Andrew, pai do Flip

"Ei, amigo, assisti seu novo clipe e fiquei muito impressionado cp, como sua carreira na música e sua vida pessoal evoluíram. Estou feliz que o Isaac [filho do Flip] é uma parte importante da sua vida. Isso mostra o quanto você ama ele. Também quero dizer que sua carreira solo começou de um jeito extraordinário. Continue assim! Estou muito orgulhoso de você. Beijo do papai."

Sérgio (ou "Pinduca"), pai da Jéssica Fulganio (Ema Stoned)

"Como grande entusiasta de rock progressivo e psicodélico dos anos 70, curto bastante a banda da minha filha. A música 'Proxima b', que foi a mais recente que ouvi, é viajadona do jeito que eu gosto e me remete a bandas como Pink Floyd e Nektar. Ema Stoned é demais!"

Ricardo, pai do Fábio de Carvalho

"Escutar seu filho compondo, cantando e tocando é surpreendente! É possível fazer links da sua relação afetiva e a história passada de momentos vividos, relembrando situações e fatos que normalmente não seriam tocados de outra forma. Constatar um talento transbordante, como o do Fábio, é incrível. A naturalidade com que as músicas vão surgindo é impressionante, além da quantidade, organização. É uma grande felicidade ver seu rebento amadurecer e produzir um novo tipo de música. Ele se torna uma inspiração para mim, que também toco, e me enche de orgulho."

José Roberto, pai do Raffa Moreira

"O som do Raffa é uma coisa nova, como a bossa nova que surgiu na minha época, os jovens gostavam muito e foi um ritmo que influenciou varias gerações... Eu gosto do som dele, não tenho nada contra."

Marcelo, pai da Paula Rebellato (Rakta)

"A música do Rakta da Paula, minha filha, é estridente e irritante como viver em uma cidade sem coração, com muito barulho e introspecção generalizada. Este sentimento muda assim que o meu ruído interno entra em sintonia com o ruído da música, que toca no coração, na alma e na cabeça de uma só vez... Em um ponto qualquer você se encontra embruxado e começa a fazer sentido para alguns que já estão vivendo alguns anos ou muitos anos a frente, onde um carro autodirigível me libera de movimentos autômatos e me deixa livre para eliminar ruídos e escutar, ver e sentir o que a cidade deste planeta tem a oferecer de melhor. Contato entre pessoas dos EUA, Brasil, México, Colômbia, Peru, Europa, Japão através de uma música estridente e apaixonante. Viva o Rakta!"

Casé, pai do Carlos do Complexo

José Guilherme, pai do Guerrinha (Séculos Apaixonados), sobre uma banda que ele tinha aos nove anos

"Minha primeira banda era eu e mais cinco colegas de colégio. Eram quatro que tocavam violão, um que tocava teclado e um que tocava bateria. Nosso nome era Give Up porque a gente achava maneiro e nosso logo era o símbolo do Grêmio invertido no Paint. As nossas músicas eram em inglês mas quando você tem oito/nove anos o domínio de uma língua estrangeira tende a não ser o seu melhor — as músicas se chamavam "The Lullaby of the Death", "Raining Is Falling", "Has a Place" etc. A gente não ensaiava muito mas eu era muito empolgado, fui o último a entrar porque clamei saber fazer scratches (Linkin Park fazia muito sucesso) e poderia ser o DJ da banda. Nosso primeiro ensaio aberto foi para os nossos pais. Meu pai era o menos empolgado com isso tudo porque ele sabia muito bem como ia ser nível da coisa (ele gostava de Rolling Stones e música cubana e só) mas ele era o meu pai... então ele tinha que me apoiar. A primeira música que a gente tocou foi um cover de "Wonderwall" e a gente não sabia na época que bateria tende a ser um instrumento mais alto que o violão (o conceito de PA também estava longe de aparecer nas nossas vidas). Na terceira música, meu pai pegou alguma coisa pra beber e falou pra gente 'ok, chega, vocês já fizeram muito barulho por hoje'. Eu ainda um pouco entusiasmado perguntei pra ele o que tinha achado e ele me falou 'parece Nirvana'. A banda acabou na semana seguinte.

"Anos depois, um pouco antes dele falecer, eu estava vendo TV com ele e começou a passar um show do Nirvana. Ele viu um pouco e falou 'eu já tentei, mas eu nunca curti realmente o Nirvana, na verdade sempre achei muito zoado'. Eu me lembrei daquele dia e perguntei 'aquele dia que você falou que parecia Nirvana, você quis dizer que a gente era ruim, né?'. E ele respondeu 'Sim, aquela coisa que vocês fizeram foi a pior coisa que eu já vi na vida. Mas pelo menos era melhor que o Nirvana'."

Marcos, pai do Giuliano Di Martino (Deb and The Mentals)

"O que eu mais gosto no som da Deb and The Mentals é a intensidade. E como eles conseguem passar isso de um jeito simples e energético. Um som de rock garagem que me lembra Nirvana, um som sujo, muito massa!"

Luccas Carlos, o último romântico

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O Luccas Carlos é, antes de tudo, um cara romântico. Mas não daqueles pegadores, que saem pegando todo mundo na noite, pra todo mundo ver. O Luccas — ou Caslu — é mais na dele. "Eu tento ser bem reservado na minha vida pessoal, das meninas que eu fico. Tento ficar não me expondo muito", se explicou o rapper carioca de 23 anos. "Mas eu gosto de falar [nas músicas] sobre relacionamento. É um negócio que às vezes eu tento escapar, mas acabei trazendo muito comigo desde sempre". De fato Um, seu EP de estreia que saiu em março de 2017 pelo selo Pirâmide Perdida, traz sete músicas, e o conjunto da obra versa sobre as etapas de um lance amoroso que dura exatamente uma noite. "Começa com o processo de paquera, depois eu dando certo com a mina e, por último, a separação", disse Luccas. "Na verdade, o EP faz um loop, porque é como se esse esquema ficasse se repetindo noite após noite."

Leia o restante da matéria na VICE.

Rimas & Melodias e a voz coletiva das mulheres negras

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Em 2014, a Beyoncé usou uma parte do discurso "We Should All Be Feminists" ("Todos deveríamos ser feministas", em português), extraído do TED Talks da escritora e ativista feminista nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, como sample em "Flawless", faixa do seu penúltimo disco, o BEYONCÉ. Com o trecho de Chimamanda explicando o conceito do termo "feminista", a música se tornou um "hino pop" e ainda influencia boa parte do movimento feminista pós-2015.

Um reflexo direto dessa influência aqui no Brasil foi o que o Rimas & Melodias — projeto que começou como um cypher de sete minas já conhecidas do neo-soul e do hip-hop paulistano em 2015 mas logo se transformou num supergrupo musical — fez em "Manifesto/Pule, Garota", faixa que fecha o seu EP de estreia, lançado nesta sexta-feira (15): o grupo convidou a filósofa e pesquisadora feminista negra Djamila Ribeiro para recitar alguns versos no final da música. "Com certeza, 'Flawless' foi uma referência, mas nós resolvemos fazer diferente" explica a rapper e cantora Tássia Reis, uma das sete integrantes do R&M. "Na música da Beyoncé, era sample. Já na nossa, a gente teve a honra de receber a maravilhosa Djamila no estúdio para gravar suas incríveis palavras, escritas especialmente para a nossa faixa."

Leia a matéria completa aqui.

O sonho afro-americano de Xênia França

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Quando entrou na adolescência em Camaçari, no interior da Bahia, Xênia França teve o que ela considera a sua primeira experiência artística: entrou para uma fanfarra. Era a comandante — ou a "mór", como é conhecida a pessoa que rege os músicos do conjunto — do seu grupo e, por causa disso, vestia uma jaqueta especial para se destacar dos outros integrantes. Foi a primeira vez que Xênia ocupou o lugar que ela sempre acreditou ser seu por direito: o lugar de comando. "Fiquei uns três anos nessa função, à frente da banda", conta a cantora baiana radicada em São Paulo. "Acho também que foi a minha primeira experiência empoderadora fora da minha casa."

Para tentar reviver esse até então inédito sentimento de poder, Xênia resolveu vestir um casaco que remete àquele seu uniforme da fanfarra usado na juventude na capa do seu disco de estreia, Xenia, lançado nesta sexta-feira (29) sob o selo da Natura Musical. "Fazia muito sentido que eu trouxesse isso para a capa, porque meu álbum fala sobre empoderamento. Ele fala sobre essa tomada de consciência sob o poder que a gente — principalmente mulher negra — tem", explica. "E esse momento da minha adolescência me ajudou a entender o meu poder, que foi se moldando até desembocar no momento de agora, na minha pessoa como artista hoje, com 30 anos de idade.

Quando era criança, Xênia nunca se identificou com os personagens negros retratados nos programas de televisão brasileiros. Só com a Glória Maria — o que a fez até pensar em seguir uma carreira de jornalismo, mas acabou desistindo. Na TV, o que ela gostava mesmo era de assistir aos filmes norte-americanos com protagonistas negros, principalmente os do Eddie Murphy. "Eu jurava que era americana. No Brasil, nós [negros] éramos e ainda somos colocados em papéis inferiores na televisão. Eu não me via naquilo. Me via no [filme] 'Um Príncipe em Nova York', isso sim", contou a cantora, que passava horas em casa lendo o dicionário de inglês e sempre sonhou em se mudar da cidade em que cresceu (Xênia nasceu em Candeias, também na Bahia). "Fiz até a minha mãe me matricular num curso de idioma, pra você ver como eu era."

Leia o restante da matéria na VICE.

Os 100 melhores discos internacionais de 2017

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Compartilhamos aqui os nossos 100 discos favoritos de 2017, escolhidos pela equipe Noisey global. Você pode ouvir algumas faixas desses na Apple Music e Spotify. Confira também: As 100 melhores músicas de 2017.

Qual é o som de se envelhecer? Que som fazem relacionamentos em reconcialiação? Bem, no mundo de Mac DeMarco, todas essas coisas soam bem tranquilonas, ainda que meio tristes. This Old Dog trata de temas extremamente verdadeiros. “My Old Man” é uma canção que fala sobre como cada vez mais DeMarco vê características de seu pai nele mesmo, por mais que este tenha sido um alcóolatra ausente ao longo da maior parte de sua vida. O disco é uma meditação sobre o ato de amadurecer, se apaixonar e desapaixonar, bem como a aceitação de seu relacionamento com o pai, que retornou a sua vida após o diagnóstico de um câncer (em “Watching Him Fade” ele canta, “Even though we barely know each other, it still hurts watching him fade away”). Mesmo com toda a seriedade e peso do tema, graças às melodias de guitarra e distorções cambaleantes, This Old Dog soa como algo pra se ouvir enquanto observa as folhas caírem no outono. DeMarco é conhecido por seu senso de humor malucão, mas em This Old Dog ele deixa parte da bobeira de lado e mostra-se mais sério. É isso que acontece quando se amadurece. — Leslie Horn

Filha daquele que muitos consideram o maior compositor francês de todos os tempos, Charlotte Gainsbourg sempre disse que as expectativas em cima dela como compositora são altíssimas. Em seus últimos discos ela deixou essa tarefa a cargo de terceiros, cantando faixas tristonhas compostas por nomes como Beck e Jarvis Cocker, do Pulp (curiosamente, dois descendentes diretos do estilo peculiarmente hilário de seu pai). Mas após o trágico falecimento de sua irmã Kate Barry, Gainsbourg sentiu uma compulsão em escrever suas próprias letras, mesmo que estas não saíssem perfeitas. Rest, o disco resultante deste experimento, chega bem perto da perfeição, lidando com desespero sem arredar o pé, abordando tanto a perda da irmã quanto do pai (falecido quando esta tinha 19 anos), em doloridos detalhes. Em uma das faixas ela rememora a bizarra experiência que é ver o corpo de um ente querido, descrevendo, em francês, “um rosto de cera”, e “perna nua escapando debaixo de um lençol”. Mas as melhores canções aqui soam estranhamente animadoras também. O produtor SebastiAn — que você talvez conheça como o francês falando de Facebook no Blond(e) de Frank Ocean — deu uma leveza sinistra ao disco, levando em conta a afinidade de Gainsbourg por disco music meio chorosa e o neon de trilhas de filmes de terror sintetizadas. Ela se referiu a ao menos uma das canções como uma “balada em um cemitério”, mas o charme de Rest está mesmo na disposição em captar os muitos lados do luto — mesmo nos piores momentos é preciso rir e dançar. — Colin Joyce

Uma bizarra coletânea de músicas que mistura funk dos anos 70, um pouco de ska, punk e muita ansiedade. O disco, com 23 faixas que mal chegam a 2 minutos cada, captura o som exato do que é estar vivo agora, talvez melhor do que qualquer outro lançamento do ano. Em termos líricos, Thundercat usa seu belo falsete para brincar com um humor absurdo, cantando para gatos enquanto faz canções de amor sobre drogas. A tática de atirar para todo lado, pulando de uma sonoridade a outra (contando com convidados como Kendrick Lamar e Wiz Khalifa, além de lendas do rock madurão como Michael McDonald e Kenny Loggins), é uma imagem fiel da mente do millennial, incerta do que deveria ser enquanto segue se apegando ao que achou que era antes. Você gosta de passar seus sábados enchendo a lata enquanto fala sobre o fim do mundo? Este é o seu disco. — Eric Sundermann

Dentro do contexto, o título do primeiro disco com uma banda de verdade de Spencer Radcliffe é mais uma provocação do que qualquer outra coisa. Ao longo do álbum ele se vale de diversos amigos para ajudá-lo a criar uma versão apocalíptica dos clichês slowcore que passou a amar enquanto compositor. Guitarras ressoam, há crescendos aqui e ali, as batidas se arrastando enquanto Spencer conjura imagens de um mundo com um fumacê no horizonte em que todos vivem às pressas. Na deprimente visão de mundo de Radcliffe, conceitos como verdade, confiança e amor interpessoal se dissolvem em meio à ansiedade existencial que faz parte do que é viver nestes tempos, mas sabe como é, com um sonzinho gostoso, o que dá alguma esperança. É o cartão postal final de um mundo em chamas, um argumento sólido em prol da apreciação das pequenas coisas enquanto o mundo está indo pro beleléu, coisa que sempre está acontecendo. — Colin Joyce

A maioria das bandas com mais de duas décadas de carreira já lançaram seus melhores discos há tempos, acomodando-se com coletâneas de sucesso e turnês só pra colher os frutos do sucesso passado. Daí aparece o Spoon. Uma banda que, apesar do falatório dos últimos anos, lança o melhor disco de sua carreira sempre que aparece com algo novo. Hot Thoughts toma por base a psicodelia latente introduzida no espetacular disco de 2014 They Want My Soul, processado pelo funkeado do ídolo de seu frontman Britt Daniels, o falecido Prince. O disco deixa para trás abstrações de relacionamentos e narrativas observacionais do passado para mergulhar fundo no id de Daniel — de sua febril faixa-título à caleidoscópica e rebolativa “Can I Sit Next to You”, tendo ainda o jazz desconstruído da experimental “Us”, que encerra o álbum. O que não quer dizer que o Spoon velho de guerra não esteja ali — os pianos e baixos clássicos da banda estão ali, cimentando o disco, bem como a queda de Daniel por temas políticos (“Tear It Down”), mas o que eles fizeram com toda essa base é, sem sombra de dúvidas, seu trabalho mais inovador até então — um estranho mundo que nos faz querer mais. — Andrea Domanick

Arroz de festa do USBM, o Woe evoluiu bastante desde seus primórdios humildes no quarto do frontman Chris Griggs em 2007. Ao longo do tempo, o projeto de sonoridade crua tornou-se uma banda propriamente dita com um histórico de turnês invejável. Seu quarto disco, Hope Attrition, é uma feroz adição à sua belíssima discografia. Riffs com precisão cirúrgica que jogam para escanteio a melodia que caracterizava a primeira fase da banda, limando quaisquer excessos. Grigg ainda é o responsável por maior parte da composição e suas influências externas (punk, screamo, hardcore) não mudaram. Ao passo em que os discos anteriores tratavam de depressão, religião e Satanás, este lançamento deixa bem clara a insatisfação e desdém da banda por fascismo e racismo, especialmente na fúria majestosa de "No Blood Has Honor". O Woe sempre foi uma banda relevante, mas agora, chega a ser necessária. — Kim Kelly

Pare um instante e nos acompanhe em uma festa de verão no topo de um prédio em Oakland. As pessoas comem, bebem, jogam conversa fora. Em algum momento da noite abre-se um espaço para que o RAYS possa tocar um pouco de seu indie pop maravilhoso. Este evento pode muito bem ser coisa da sua cabeça, mas os 26 minutos deste disco não são. Nesses, seus quatro integrantes fazem uma excelente mescla de urgência pós-punk com pop de maneira fenomenal. Faixas como "Pain and Sorrow" e "Dead Mans Curve" soam como singles perdidos do Flying Nun, já “Theatre of Lunacy” vem de um lugar sempre ensolarado. Gravado pelo incansável Kelley Stoltz, com masterização do australiano Mikey Young (Ooga Boogas, Total Control, Eddy Current Suppression Ring), RAYS mistura elementos de Pere Ubu, pop neozelandês dos anos 80 e humor absurdo. — Tim Scott

O selo lisboeta Principe Discos tem sido vital para documentar uma série de sons e estilos distorcidos de dance music que se sobrepõem, vindo de vizinhanças em torno de sua cidade de origem. Mas mesmo em meio ao seu vasto catálogo de enérgicas pérolas, há pouca coisa que se compare ao som de Nídia. Reunindo sua história como dançarina na cena kuduro de Lisboa e sua afinidade por ritmos esquisitinhos, Nídia é Má, Nídia é Fudida é imprevisível, como tentar ver alguém dançar em cima de pernas de pau — não é exatamente algo bonito de se ver, mas dá pra sentir que é um feito só estar de pé ali. — Colin Joyce

No fundo, country music é uma ramificação da tradição de se constar histórias, pregando a inclusão de todos aqueles que em algum ponto da vida foram deixados de lado por serem quem são (e muitas vezes por conta das decisões que tomaram). É um lugar onde pecadores buscam redenção e onde desajustados encontram semelhantes, mas como apontado por Karen & the Sorrows neste disco, ainda assim é um lugar estreito, que impede até mesmo os mais básicos indicadores de “alteridade” — sexualidade, identidade de gênero, histórico de classe — em favor do que muitos veriam como uma representação mais tradicional do que é sofrer. Tomemos "Take Me for a Ride" como exemplo, talvez a primeira canção do gênero a falar sobre uma mulher fazendo sexo oral em outra dentro de um caminhão. O mundo está mudando, porém, e abrindo mais espaço para que possamos definir o que é ou não country. Com uma introdução nada ortodoxa ao gênero e uma experiência de vida nada ortodoxa, Karen & the Sorrows dão continuidade ao legado iniciado por Lavender Country, trazendo um olhar queer à música country, ao mesmo tempo dando fim à tradição e prosseguindo com a mesma. — Annalise Domenighini

Durante entrevista concedida em 2016, a compositora de Montreal Kara-Lis Coverdale disse estar se acostumando com “se sentir confortável estando desconfortável”, o que, por acaso, é um bom resumo da experiência que é ouvir Grafts. Trata-se de uma única faixa de 22 minutos que baseia-se em sons distantes de órgão e os tons curativos eletrônicos de carrilhão parecem sinos de igreja e kalimbas. Onde outros artistas se baseariam nestas sonoridades de forma a criar um clima, estendendo-as, Coverdale alterna notas rapidamente. Se você já viu vídeos de um beija-flor em alta velocidade, parece com isso; a artista parece empreender grande esforço para se manter em repouso. Há uma tensão inerente ao ritmo — seus ouvidos querem relaxar, por conta da paleta de sons meio new age, mas acaba nunca rolando. Logo que você se acostuma com um belo fraseado melódico, ela muda para algo totalmente diferente. Em meio ao movimento constante, é possível encontrar paz, basta procurar. — Colin Joyce

O segundo projeto de Obongjayar, Bassey, é considerado um EP. Mas em termos de escopo, riqueza visual e completude em geral, poderia muito bem ser um disco — que trata justamente de completude e vida, uma história de céu e inferno e uma jornada entre Londres e Nigéria, cujo título vem do termo em linguagem igbo para Deus. Entre luz e trevas, com um instrumental que parece vir das profundezas da terra, Bassey diz muito não só no que apresenta, mas também na busca interior pela verdade de porque estamos aqui e o que deveríamos fazer com nosso tempo. Pode chamar de espiritual, político, o que for: é bom demais e prova da visão implacável e pura de Obongjayar — uma observação breve e cativante dentro da mente de um dos mais promissores artistas de nossos tempos. Precisa de mais provas? Preste atenção na participação de James Massiah na faixa final do EP, “Gravity”, um ousado e colorido solilóquio que trata de inalar óxido nitroso e bater umas carreirinhas antes de botar os pés em terra firme novamente. — Ryan Bassil

Dando forma à aterradora solidão da estética sci-fi dos anos 80, o lado revoltoso dos sussurros ASMR e a convicção generalizada que o som é uma força que deve ser sentida fisicamente, Hand in Hand de Félicia Atkinson pode ser uma audição que leve a um pouco de ansiedade. Drones sintetizados funestos batem de frente com sons cotidiano enquanto a artista multimídia francesa fala sobre desejo, terror e por vezes, sobre nada em especial (On “A House a Dance a Poem”, ela vagarosamente entoa “sliding...glasssss...doors”). Félicia quase sempre acerta em suas tentativas de destituição de significados — sons, palavras e atos não seguem qualquer lógica compreensível senão a do impulso colagista que a artista tem na hora de compor. Ao longo de sua execução, Hand in Hand começa a não parecer com nada — mesmo as passagens fáceis de se ouvir no início — o que é assustador, mesmo quando não se está ouvindo aquele sintetizador que mais parece uma broca de dentista batendo em tecido macio. — Colin Joyce

Punks surfam na new wave. Por mais que o Orion tenha sido formado a partir de nomes da cena punk de Sydney como Whores, Low Life, Oily Boys e M.O.B., seu disco autointitulado se inspirada na melodia, climas e sensibilidade de grupos pop como New Order e Pet Shop Boys. Levado adiante pelos vocais emocionados e por vezes taciturnos de Yuta Matsumura, as faixas baseadas em guitarra e synths podem ser tanto melancólicas quanto alegres. Canções como “Red Lights” e “Execution” vão te fazer dançar durante os shows ou te botar pra pensar na vida, olhando pra parede em casa. Puro pop faça-você-mesmo com um quê sombrio, atmosférico e belamente dolorido. — Tim Scott

Há certos tipos de pessoas que parecem ter nascido para viver a vida da forma mais sofrida possível. Por vezes é algo predeterminado, em outras é quase que um destino genético — inescapável não só porque você é quem é, levando em conta sua família também. Há vezes em que tudo é resultado de péssimas decisões. No caso de Jason Isbell, ambas as definições se aplicam, e o compositor fez uma carreira a partir de seus relatos para o resto do mundo, emitindo o que poderíamos considerar como verdadeiros alertas. Esta abordagem narrativa faz de seu sexto disco, The Nashville Sound, talvez mais político do que ele talvez intendesse. Ao longo do álbum, ele deixa de lado o tom intimista de canções que moem a alma (por mais que “If We Were Vampires” ameace fazer do amor uma sentença de morte) e foca num plano maior. Agora pai, Isbell não mais foca em si e em sua vida. Ele questiona tudo sob uma ótica radical, e aprende a desaprender as duras lições que a vida lhe ensinou para que possa ensinar as mais leves. — Annalise Domenighini

Ao escrever uma biografia que acaba como best-seller você meio que já talhou seu legado em pedra, o que se aplica até certo ponto ao homem nascido Radric Davis. Ele é o Deus do Trap, um antiherói que pariu o som do rap de Atlanta atual, que acabou indo parar na cadeia e saiu de lá como um sábio criador de hits. Não há nada mais que ele precise provar, então ele simplesmente resolveu gravar uma sessão com o criador de beats mais foda do momento, resultando em Droptopwop, de longe seu disco mais paulada desde a saída da prisão. A produção enfurecida de Metro Boomin faz Gucci reviver momentos do passado em algumas de suas performances mais expressivas em anos. O gancho em “Finesse the Plug Interlude” se arrasta preguiçosamente, já “Helpless” conta com sussurros ameaçadores. Metro, enquanto isso, torna-se o Mozart do trap, criando uma sonoridade chiptune demente em “Tho”, adornando os versos de 2 Chainz e Young Dolph em sons de caixinha de música em “Both Eyes Closed”. A maior parte do material, porém, não chega aos pés da poderosa “Met Gala”, em que Gucci e Offset mandam flows iradíssimos ao som dos sinos de uma igreja e uma saraivada de batidas 808. A obra de Gucci mais uma vez faz jus ao seu legado fora-da-lei. — Phil Witmer

I Love You Like a Brother revela uma certa clareza na composição pop-punk de Alex Lahey. Ela canta em “Perth Traumatic Stress Disorder”, “Perth is lucky that she's pretty / Otherwise, I'd hate that city / The only place my heart's been torn in two”, antes de adicionar, na caruda “Always worth the lengthy flight”. São momentos como esse que mostram a habilidade de Lahey em misturar momentos de puro sofrimento com um pouquinho de humor sem soar indiferente ou apática. Em “I Haven’t Been Taking Care of Myself”, ela alterna habilmente insegurança tóxica e o que acontece quando você se projeta na pessoa amada (“Maybe that's why you don't love me as much / I need to start taking care of myself”). O domínio de Lahey ao especificar os sentimentos entre amor e ódio — tudo isso enquanto se diverte um pouco — cimentam a posição de I Love You Like A Brother como um dos melhores discos do ano. — Jabbari Weekes

Não tem outro jeito de falar isso, mas Pretty Girls Like Trap Music de 2 Chainz é uma vibe por si só. Talvez seja um disco meio óbvio (seu segundo single, claro, é a faixa de alto potencial memético “It’s a Vibe”). Mas é assim que o cara funciona. Com este álbum, o chefão do hip hop criou todo um clima, completo com direito a trap-house rosada para combinar com a da capa do disco, uma pop-up em Atlanta que servia de galeria de arte a posto de saúde. Com este disco, 2 Chainz tentou deixar claro que ele é mais que um cara com excelentes frases de efeito, mas como resistir a frases como “my pocket pregnant, don’t want no abortion” (“Riverdale Rd”) ou “I’m so high they might call a goaltend” (“Poor Fool”) . Talvez seja meio previsível o cara ser tão charmoso e espertalhão assim, criando faixas como “4AM” com as quais você se identifica ou não logo de cara. Este disco está cheio de verdadeiras pedradas pra ouvir no repeat. — Leslie Horn

A cor que melhor descreve o disco de estreia da artista emo-folk Phoebe Bridgers é azul. É o violão pesaroso de “Smoke Signals” e o tom etéreo de “Motion Sickness”; no refrão de “Funeral” ela mesma se descreve como “blue, all the time”. Azul é a cor da tristeza e Stranger in the Alps é um disco que lida com temas como depressão e morte — mas azul também a cor do céu, do mar, do respirar e da vida em si, uma dualidade que se reflete ao longo do álbum. Sem arroubos de grandeza desnecessários, Stranger in the Alps viaja ao longo do que é ser humano: para cada confissão dolorosa de solidão, há um momento de ligação também. De maneira acessível e charmosa, Bridgers aborda temas que afetam a todos nós com surpreendente clareza: ouvir Stranger in the Alps — talvez de fones, tomando uma bebida quente em um dia frio — é ter uma experiência reveladora. — Lauren O’Neill

Nos últimos anos, Mozzy já rimou o equivalente a 18 romances de Tolstói em instrospecção pura e histórias detalhadas sobre como é fazer parte de uma gangue. Já Gunplay tem um contrato anual em te dar um tapa na cara e lembrar que você se sente imbatível ouvindo o som dele. Naturalmente, ambos soam como se tivessem crescido rimando juntos. Faixas reveladoras e de ranger os ossos como “They Know," “Never Had Shit” e "We Ain't Going Broke" nos reasseguram que eles são uns dos poucos rappers que podem te convencer a não sujar as mãos e ainda simpatizar com um mano na prisão que nem tem uma namorada pra trocar cartas, tudo isso enquanto um vai superando o outro em termos de criatividade e intensidade. Neste ano, o rap ganhou e muito com o formato de disco em dupla, juntando grandes nomes em verdadeiras batalhas de rimas, mas nenhum projeto se saiu tão bem quanto Dreadlocks & Headshots. Afinal, se você não escuta rap pra ouvir uns manos mandando rimas em um som chamado "Gangland", que que você tá fazendo com a sua vida? —Trey Smith

O disco de estreia do Sunrot, Sunnata, é uma anomalia mesmo dentro de um gênero que celebra o esquisito e inesperado. A versão do doom metal criado por este quarteto de Nova Jérsei é tão corroído por elementos industriais que, em vários momentos, tudo se reduz a barulho gritado, filtrado por uma máscara de distorção vocal caseira. Por mais que seja o primeiro álbum de fato da banda, trata-se de seu quarto lançamento, ofuscando seus trabalhos anteriores. Como dito pelo pessoal do Noisey em agosto “O Sunrot vaga na encruzilhada entre diversos gêneros horrendos e barulhentos: sua pegada modorrenta e industrial tem muito de harsh noise e drone odioso, com espaço o suficiente para riffs — soturnos, distorcidos, que agridem os tímpanos como ondas engolindo o litoral em uma tempestade — seguidos dos urros absurdos de Lex”. Sunnata tinha que estar presente em qualquer lista de melhores de 2017 independente de quem estivesse por trás de sua criação, mas o fato de ser fruto de uns moleques abestalhados de Nova Jérsei só faz aquecer nossos corações gelados. — Kim Kelly

Que a música melancólica com toques folk de Nadia Reid venha de um lugar tão belo quanto Port Chalmers faz sentido. O porto de Dunedin, ao sul da Nova Zelândia, é o lugar perfeito para uma canção tão introspectiva e meditativa quanto “The Arrow and the Aim”.“Richard” trata de um relacionamento que chega ao fim, em que Reid canta que Richard “loved the sound of his own voice in the kitchen by the mirror”. Richard se foi, mas a cozinha, o espelho e o sentimento não. Por mais que conterrâneos como Aldous Harding e Lorde ganhem maior destaque, Reid fez um grande álbum com Preservation. —Tim Scott

Lil Peep é pra quem ouve Take Off Your Pants And Jacket pra superar o fim de um namoro do colegial, joga MMORPGs e rejeita quaisquer atividades ao ar livre pra ficar em casa falando com estranhos na internet. Com tanto escrito sobre a música de Peep ao longo do último ano, um fato parece passar batido: não era pra ser algo bacana. É som pra perdedores, solitários e marginais, e Come Over When You’re Sober (Part One) é impactante em sua simplicidade, misturando melodias vocais pique Blink-182 com batidas de cloud-rap, sendo o melhor e mais sucinto exemplo de seu estilo e personalidade. São faixas sobre depressão, solidão, odiar a si mesmo e sofrer por amor, temas complicados reduzidos a curtos porém excelentes mantras (“Sometimes life gets fucked up / That’s why we get fucked up”). Muitos destes mantras podem soar agridoces após a morte trágica de Lil Peep, mas seguem de fácil identificação e como hinos para uma geração que lida com seus problemas ao falar no Instagram sobre eles. Come Over When You’re Sober (Part One) é um clássico dentro de um subgênero que ajudou a criar: intenso e irresistível por sua originalidade, ainda que carregado de empolgação pelo que poderia vir depois. — Emma Garland

Aparentemente tem todo um conceito matemático no centro do novo disco de Gerald Donald como Dopplereffekt, mas como rolou com seu trabalho anterior no Drexciya, não é preciso entender o que se passa para curtir o que de fato rola nos instrumentais abstratos aqui criados. Neste caso, são nove faixas sem quaisquer batidas, ainda que percussivas do electro aquoso pelo qual o artista é conhecido, saindo das profundezas do mar rumo ao espaço. Cada música tem uma construção simples, alguns sintetizadores e ruídos que reagem de forma volátil uns com os outros. Cada parte é lenta e tranquila na maior parte do tempo, mas a forma como interagem é que cria uma espécie de combustão desconcertante. Donald (sob o pseudônimo Rudolf Klorzeiger, aliado a um tal To-Nhan) tem um talento único em determinar que elementos pegarão uma sonoridade mais ambiente e a farão estourar, pegando algo e transformando em ouro puro. Esquece a matemática, Cellular Automata é alquimia pura. — Colin Joyce

Não que um disco de black metal tão diferentão precise de um mito de criação dos mais atraentes, mas a história por trás de Immersion Trench Reverie do Yellow Eyes só serve pra deixar tudo ainda mais esquisito. Antes dos irmãos nova-iorquinos Will e Sam Skarstad partirem para a cabana em Connecticut onde geralmente gravam, eles passaram um mês na Sibéria, absorvendo toda a selvageria de sua atmosfera. Este breve período acabou conferindo ao disco um quê augúrio — há gravações de sinos, matilhas de cães selvagens e um coral da região. Faz sentido ainda que a dupla fosse parar ali: sua música sempre teve algo em comum com a solidão russa. Não é só o frio, mas a amplitude, a ideia de que faixas como “Velvet on the Horns” podem seguir qualquer direção, de riffs típicos de black metal a um clima desconfortável e destruição percussiva dentro de um minuto ou dois. É um disco que deixa possibilidades no ar, uma sensação de que tudo pode acontecer, o que é animador e aterrorizante ao mesmo tempo. — Colin Joyce

“Soothing” a primeira faixa do sexto disco de estúdio de Laura Marling , Semper Femina, começa com uma linha de baixo meditativa. Marling canta, grave, “I banish you with love”. A faixa, por mais esparsa que seja, carrega consigo grande peso. Laura Marling é uma das mais talentosas — e sábias — compositoras de sua geração; desde seu surgimento em 2008 em Londres, ainda adolescente, Laura conseguiu cativar o público com seus gestos ternos de amor e perda, bem como a suavidade mostrada em seus trabalhos. Em Semper Femina — seu disco de maior concisão técnica e menor duração até o momento — Marling lida com a feminilidade enquanto produto cultural: o que faz de uma pessoa feminina e como metabolizar isso? Como isso é uma questão de gênero e por que? O tema pode parecer complicado e acadêmico, mas Marling nos comunica tudo ao belo som de cordas. Há ainda a carinhosa homenagem a uma amiga em “Nouel”, onde canta, “She speaks a word and it gently turns / To perfect metaphor/ She likes to say I only play / When I know what I'm playing for”. Como o resto dos trabalhos de Marling, Semper Femina é um local de refúgio e sabedoria. — Sarah MacDonald

Dos confins do Kentucky surge Tyler Childers, nascido e criado em meio a mineradores dentro de uma família profundamente religiosa, familiarizada com a ideia de que mesmo a pobreza extrema não pode impedir que alguém viva a alegria pura e simples. Por mais que Childers esteja no cenário há tempos, Purgatory é sua primeira tentativa aos olhos do grande público. Com um banjo brejeiro e uma rabeca infernal, o disco recria uma leitura sobrenatural das agruras da vida. “Whitehouse Road” e “Honky Tonk Flame” contam versões diferentes da mesma história — a história de alguém que não consegue desistir de um sonho, pro bem ou pro mal — já “Feathered Indians” e “Lady May” são retratos dolorosos e sinceros da dificuldade de se equilibriar vícios terrenos com experiências extraordinárias (neste caso, o amor absoluto). O disco brilha mesmo em “Universal Sound”, lembrete de que não importa onde estejamos, é lá que estamos e a vida é um som universal, não individual. — Annalise Domenighini

O último disco de Maya Bouldry-Morrison como Octo Octa apresenta grande leveza. Não que isso não tenha ocorrido antes — a house music é um daqueles gêneros em que mesmo nos momentos mais sombrios, há algo de êxtase no ar — mas Where Are We Going? tem algo de diferente. Em uma entrevista com o artista multidisciplinar Terre Thaemlitz, Bouldry-Morrison refletiu sobre o fato de seu último LP Between Two Selves ser uma “mensagem queer codificada”, ao passo em que este está mais “na cara”, o que explicaria parte de seu charme. É um disco alegre sem limites, o que se expressa com samples vocais oníricos, quebradas ruidosas de bateria e um clima meio vertiginoso (como no destaque “No More Pain (Promises to a Younger Self”). Ela comentou ainda que as fases finais de composição levaram em consideração a estranha experiência de se fazer tal disco pouco após a eleição de um déspota odioso, mas mesmo os momentos finais sérios do álbum tem algo de animador: uma voz questionando “Do you feel better?” Where Are We Going? faz parecer que a resposta seria afirmativa. — Colin Joyce

O trio de Denver Primitive Man passou os últimos cinco anos construindo uma carreira frutífera faça-você-mesmo a partir de sua habilidade única de captar a mais pura essência da miséria niilista em seus discos de sludge/doom modorrento e tenso. Trata-se de uma banda absurdamente prolífica — Caustic é apenas seu segundo disco, mas os caras já lançaram outros 11 singles e splits desde 2010. Nada de descanso para os ímpios. Em Caustic, o corpulento guitarrista e vocalista Ethan McCarthy ruge contra temas como racismo, corrupção, desigualdade estrutural e depressão com seu urro imponente ao longo de riffs ruidosos, enquanto a cozinha — o baterista Joe Linden e baixista Jonatham Campos — adicionam ainda mais gasolina ao fogo. O resultado é de uma ruindade absoluta, digna do próprio Satanás, pesado como um saco de chumbo derretido — um registro cuidadosamente construído de dor e agressão sem limites. Em um ano tão cagado como esse, o Primitive Man faz questão de nos lembrar que só vai piorar. — Kim Kelly

Birdie, o segundo disco do novo projeto do guitarrista e vocalista do Modern Baseball Jake Ewald chamado Slaughter Beach, Dog, deixa claro que ele é um homem mais sábio que sua idade revela. Ao passo em que o Modern Baseball mostrou o jovem de 24 anos lidando com sonoridades emo-pop, no Slaughter Beach, Dog ele demonstra rápido amadurecimento como compositor e produtor. Deixando de lado a fórmula roqueira do passado, entra em seu lugar uma pegada mais folk e indie-pop estilo Shins. Com letras emocionadas, que poderiam muito bem sair de um diário, Ewald logo se posiciona como o John K. Samson da geração Tumblr, com Birdie demonstrando uma paleta musical eclética que compositores com o dobro de sua idade invejariam. — Dan Ozzi

A ideia de encontrar forças na vulnerabilidade não é nova, especialmente para Caroline Spence. Spades and Roses, segundo disco da compositora de Nashville, pega essa ideia e a expande, valendo-se de uma tradição de encontrar forças na feminilidade e então se tornar mais durona. Spence conta a história de uma mulher em meio a crises sobre si mesma enquanto indivíduo e como produto de uma vida que talvez nunca tenha sido planejada de forma a incluí-la. É um relato bem feito das pequenas coisas que podem fazer da vida tão frustrante 3 de ser resultado de um divórcio e sofrer para encontrar onde você se encaixa (“Southern Accident”) a perceber que as regras mudaram logo agora que você achou que tinha conseguido (“Softball”). Spence segue os passos de cantoras-compositoras como Joni Mitchell e Laura Marling, com um toque de uísque e fúria silenciosa que só mulheres sulistas moldadas por anos de condescendência poderiam dar. — Annalise Domenighini

Daniel Caesar não precisava de uma indicação como Melhor Disco de R&B, nem de uma apresentação com Chance the Rapper no The Late Show with Stephen Colbert, ou ainda uma série de participações bem escolhidas como Kali Uchis para que ficasse claro em Freudian que agora é a sua hora. Por mais que o som de Toronto tenda a ser bombado por conta de sua obscuridade, Caesar de 22 anos é pura luz, brilhando com os graves de seu debut Freudian com um calorzinho gostoso que fica com a gente. Freudian apresenta todas as facetas de um relacionamento, referências bíblicas e corais de apoio que nos fazem pensar em uma musa que se perdeu para o divino. “Blessed” fala de amor enquanto devoção apoiada por um órgão suave; “Neu Roses (Transgressor’s Song)” reconcilia o pecado do adultério com a devoção ao parceiro; “Take Me Away” suspira com a confusão que vem de um romance centrado na alcova — um terno destaque com auxílio de Syd do The Internet. Abençoado com um falsete envolvente e escrita sincera, Caesar é um dos poucos artistas que pode fazer um disco sobre os altos e baixos do amor de forma que soe leve, não pra baixo. — Jill Krajewski

Precious Art tem faixas sobre meleca, sobre assistir o filme UHF do Weird Al e sobre querer ser um cachorro (essa última é só latidos). Não dá pra descrever as qualidades do último trabalho de Rozwell Kid sem fazer tudo parecer meio bobo, mas por baixo desse exterior brincalhão, temos um disco cheio de alma. Claro que Jordan Hudkins pode usar humor e referências pop nostálgicas como MADtv e Michael Keaton pra deixar pra lá o que sente e pensa sobre amor, amizade e mortalidade, mas o desafio é esse mesmo. Ao passo em que Precious Art tem riffs roqueiros para serem curtidos logo de cara, curtir esse disco exige que você vá mais fundo, além das piadas, da autodepreciação — e sim, das melecas. — Dan Ozzi

Ao passo em que a relevância de indie rock clássico de The O.C. tornou-se um surpreendente ponto a ser discutido esse ano, apenas um disco decidiu traçar novo curso para o gênero. Soft Sounds from Another Planet é um mapa estelar para muitos possíveis rumos futuros do indie e para a mente brilhante por trás do Japanese Breakfast, Michelle Zauner, que se casou com seu colega de banda antes de compor este disco. As letras fervilham com o sem-fim de emoções que tal evento causou: empolgação, ansiedade, nostalgia, às vezes tudo isso junto. “Looking back, how did I keep moving? / Didn’t know that half of me was missing”, ela canta em “12 Steps”, um roquinho animado que é uma espécie de pedido de desculpas de Zauner para um antigo amante após ter encontrado sua alma gêmea. Deixando de lado a tendência indie atual de seguir rumos mais artísticos e obscuros, Zauner deixa seus arranjos complexos mais claros em vez de afogá-los em reverb e distorção. A decisão acaba por beneficiar a natureza eclética do álbum. De longe, Soft Sounds é uma colcha de retalhos (com faixas vindo das antigas demos de Zauner) de fusões e homenagens. A faixa de abertura “Diving Woman” logo vira uma odisseia guitarreira semelhante ao que fazia o Television, já “Machinist”é um electropop meio deslocado com autotune e um solo de saxofone. Ainda assim, o coração do disco é cheio de baladas incríveis (a faixa título, “Boyish”, “Till Death”) que mostram Zauner construindo verdadeiros palácios para proteger suas preocupações e amores. Temeroso ainda que temerário, Soft Sounds é um tributo à mudança em toda sua linda confusão. — Phil Witmer

"The world needs a good band right now” dizem em algum momento de In Search of Lost Time. “One that is going to excite people again, like KISS”. E com riffs gordos de inspiração noventista, letras espertinhas que tratam de brinquedinhos sexuais a crushes, junto de melodias chicletosas, talvez o Partner venha a ser essa banda mesmo. In Search of Lost Time é um energético passo adiante, cheio de solos de guitarra em relação a “The ‘Ellen’ Page”, de 2015, primeiro single da banda a fazer algum barulho (e ganhar aprovação da própria atriz). Josée Caron e Lucy Niles são engraçadas pra cacete, com uma química que brilha em faixas como “Play the Field”, “Everybody Knows”, e “Gross Secret”, com histórias ingênuas de tempos de escola, absorventes e ficar chapadaço, como se fossem dois amigos trocando bilhetinhos em sala de aula. — Jill Krajewski

O Homostupids deixou todo mundo meio confuso com seu hardcore punk desconstruídão. Logo, a notícia de que alguns integrantes desta banda agora estavam tocando na nova banda de Cleveland The Cowboy deixou alguns fãs sorrindo, na esperança de mais rock ridículo e loucão. The Cowboy (favor não confundir com The Cowboys, que também lançou um excelente disco em 2017), pega a sonoridade cheia de riffs e gritos de bandas da Am Rep Records dos anos 90 e adiciona uma camada extra de misantropia. As músicas raramente passam dos 90 segundos, mas não precisa de muito mais que isso não. — Tim Scott

A capa de Pleasure, primeiro disco de Leslie Feist em cinco anos, mostra uma mulher pulando dentro de uma cerca viva, uma versão surrealista daquele meme em que Homer Simpson entra nuns arbustos. Combina bem com um LP que soa isolado, espinhoso e um pouco absurdo. O som mais presente aqui além da voz de Feist e seu jeito desleixado de tocar guitarra é o do estúdio. Ela e seu produtor Mocky exploram tanto o espaço negativo que a dinâmica se inverte — uma batida súbita ou um vocal mais emocionado de Feist batem forte. Tais surpresas servem como pontuação para as ruminações claustrofóbicas sobre problemas do coração e novos amores que compõem a maior parte do disco. Em “I Wish I Didn’t Miss You” Feist descobre que a cidade onde mora “shrunk to the size of [her] thoughts” em meio a suas tentativas de fugir de um término de namoro. “Any Party” a mostra se sentindo presa em uma terrível festa no quintal de alguém, louca pra voltar pra festinha de dois em que estava antes, acompanhada de um coral bêbado. A epifania de Feist surge no destaque blueseiro que é “I’m Not Running Away”, em que ela aprender a lidar com as porradas (“Water is running like I stay”) e ainda há espaço para admitir que é dureza acreditar no amor. Por mais que este seja seu disco mais obscuro, toques bizarros como um sample de Mastodon em “A Man Is Not His Song” fazem com que Pleasure soe convidativo a não-iniciados. — Phil Witmer

John Maus, hein? O profundo artista do avant-synth muitas vezes é complicado de se entender por conta do tanto que fala — uma cria americana legítima, quem sabe, e há algo de único mesmo em Screen Memories. O quarto disco de Maus é um verdadeiro apanhado daquilo que tornou o homem conhecido: excelente programação de bateria, linhas de sintetizadores surreais e declarações que podem ser encaradas como reflexivas ou superficiais, dependendo de quem vê. A faixa mais direta é “Pets”, em que o refrão afirma “Your pets are gonna die”. A verdade dói, mas ouvir Screen Memories não, ao menos isso. — Larry Fitzmaurice

Ao adotar o drama típico da Broadway, Alynda Lee Segarra do Hurray for the Riff Raff poderia muito bem ter ignorado sua realidade latina no Bronx e seguir em busca de fantasias dignas de La La Land, mas ela sabe bem o valor que uma boa reviravolta tem. Como resultado, The Navigator, uma ópera autobiográfica única, surge como um tipo de reconciliação. A protagonista de Segarra, uma jovem porto-riquenha como ela chamada Navita, viaja pelas ruas da cidade, seu prédio de 14 andares, e também pelo tempo (tem uma bruxa na história) em busca de si mesma. As partes mais ousadas do enredo podem ser complicadas de se acompanhar, mas seu arco geral de insatisfação, partidas e arrependimento é universal, ecoando não só o êxodo de Segarra de Nova York como também a crise da diáspora latina nos EUA. De nada adiantaria o enredo sem boa música. Segarra mostra seu domínio sobre tradições populares em faixas como “Living in the City”, com jeitão de Bruce Springsteen e a paulada “Nothing’s Gonna Change That Girl”, partindo então para experimentações ousadas como a funkeada “Rican Beach” e “Pa’lante”, com influências de Sgt. Pepper. A dolorosa conclusão desta última, com Segarra/Navita clamando para que seus amigos, familiares e companheiros latinos perseverem, traz à tona toda a dor do disco. Trata-se de uma obra marcante não só por ser um espetáculo encantador, mas também uma grande história cheia de esperança que não tem como ser somente ficção. — Phil Whitmer

Cinco anos e uma enorme batalha legal após seu segundo disco, Kesha chegou com Rainbow este ano, quase que universalmente aclamado. Com sua mistura de rock, country e pop, o disco mostra o talento e personalidade da cantora sem parecer forçado em momento algum. Dadas as circunstâncias em torno de seu lançamento, parecia que o disco seria um reflexo das batalhas externas e internas da artista, mas em vez disso Rainbow é pop puro, oferecendo redenção pessoal e musical ladeada por muito glitter. Faixas como “Learn to Let Go” — com seus vocais em coro, batida pulsante e súbitas mudanças de tempo — ou “Boogie Feet” — uma celebração da vida com participação do Eagles of Death Metal — renovam as bases pop de Kesha e as solidificam. Se já não era óbvio com seus primeiros dois álbuns, Rainbow prova que Kesha é uma rockstar poderosa, determinada a mostrar que farra é tão séria quanto trabalho, só é preciso um pouco mais de esforço às vezes pra tudo brilhar. — Annalise Domenighini

David Nance toca um rock de operário que soa bem, independentemente de você bater ponto na indústria local ou cursar faculdade de humanas. Na esteira do excelente More Than Enough, o guitarrista e compositor de Omaha demonstra um profundo respeito pela música da Cleveland dos anos 70 e Nova Zelândia dos anos 80. Ele apresenta uma versão “Silver Wings” de Merle Haggard com pega lo-fi, e na faixa título do disco, solta um dos rocks mais furiosos de 2017. O acrônimo de “DLATUMF Blues” significa “Don’t Look at This Ugly Motherfucker”. Abra a cerveja gelada mais próxima e aproveite. — Tim Scott

Apesar do revival do country fora-da-lei e da popularidade daquilo que se conhece como Americana, a música country ainda sofre uma forte crise de identidade, dividida entre visões pop de felicidade e a feiúra da vida real. Jaime Wyatt — uma fora-da-lei lá do oeste que dá um toque ameaçador ao gênero após uma temporada na prisão no começo deste ano por ter roubado seu traficante — representa um lado mais casca grossa do gênero. Felony Blues é um retrato íntimo de uma mulher que foi para o outro lado: “From Outer Space” detalha o sentimento de alienação que uma cagada daquele tamanho cria numa pessoa, enquanto “Giving Back the Best of Me” e “Your Loving Saves Me” são um tentativa de ser vista como se era antes. Nem tudo é dor, e faixas como “Stone Hotel” e “Wasco” tratam de se gabar um pouquinho da credibilidade ganha ao se cometer um crime dentro de alguns círculos. É dureza e por vezes soa meio arrogante, mas você já viu alguém meio caubói que não fosse assim mesmo? — Annalise Domenighini

No meio de um ano marcado por uma ansiedade apocalíptica e divisões cada vez mais brutas, um único norte-americano de descendência porto-riquenha e irlandesa chega com uma celebração sincera do “caldeirão” que é Nova York, a próspera metrópole onde nosso Presidente cresceu e cuja qual ele nunca entenderá. Este jovem rapper não se deixa abater mesmo, porque não foi isso que Manhattan ensinou a ele: “Wik, you gon’ sit and complain? / Damn / Come on man what do you like?” A resposta: bagels, metrôs, pôr do sol nas águas do West Side. Sua colaboração com Ghostface Killah rola suave, os dois emendando rimas potentes que contradizem a diferença de 25 anos entre os dois. Wiki também quer encontrar sua alma, como vemos em “Pandora’s Box” , um relato franco de um antigo relacionamento “I was responsible / For every time I fought with you”, canta, quase chorando, acompanhado pelas batidas de Dadras e Sporting Life. Ainda assim, No Mountains chega ao fim triunfante, pois é mais uma das histórias de Nova York: “Made my own flag / I’m a nomad, a mutt”. — Alex Robert Ross

22 anos depois do lançamento de seu último disco, o Slowdive voltou, trazendo consigo seu baterista Simon Scott, retomando os trabalhos de Souvlaki, de 1993. A distância fez bem pra banda; o disco autointitulado oferece aspereza digna de destruir falantes (“Star Roving”) e hábil atenção aos detalhes (“Sugar for the Pill”) que definem a obra da banda, de forma nova e bem pensada. É um retorno bem-vindo e uma epifania em meio ao caos — um disco tão bonito que permite que se esqueça o ruído externo e se envolva no que este oferece. Talvez porque narrativas e letras estudadas nunca tenham sido o objetivo de bandas como Slowdive — as vozes de Rachel Goswell e Neil Halstead são apenas instrumentos, guias dentro de um útero de feedback sem fim, melodias e ritmos afogados em distorção. O shoegaze pode não estar mais em meio ao revival de alguns anos atrás, mas talvez isso faça do disco — quem sabe o melhor da carreira da banda — ainda mais eficaz: música maior que a soma de suas partes, nos dando espaço, sem qualquer contexto, para seguirmos confortavelmente vulneráveis. — Andrea Domanick

Corbin (antes conhecido como Spooky Black) tem uma aura de mistério toda sua, mas ainda assim dá a impressão de ser alguém com quem podemos nos identificar, o que provavelmente explica como ele veio a se tornar o líder do tal movimento Sadboy. Em Mourn, ele leva o movimento adiante, oferecendo uma janela para que observemos o amadurecimento e evolução deste enigma musical. Em FOREST, de 2013, ele era um moleque direto quanto aos seus sentimentos e mensagem, e em sua obra mais recente, ele deixa claro ser um excelente contador de histórias que lida bem com metáforas e figuras de linguagem. “Bled dry, ignite/Show them their holes, welcome them home/Cast out, you drown/Swallow the salt, blue for the fall”, canta em “No Title”. Com um atmosfera pensativa e vocais crus ainda que refinados, Mourn é o próximo passo lógico de Corbin. Batidas lo-fi sintetizadas por nomes como Shlomo, D33J e Juice Jackal servem de base para os sinistros contos de solidão e confusão de Corbin em meio aos obstáculos da vida. “Revenge Song”, desoladora história do estupro de uma jovem menor de idade, por quem Corbin busca vingança, é um exemplo de tal execução. Seu maior feito neste disco é reconhecer que a vida é assustadora, convencendo outros de que a busca por amor compensa o horror, mesmo que esta busca seja infernal por vezes. O que temos em mãos é uma obra que encapsula o terror que foi 2017, especialmente para jovens que não sabem bem o que esperar do amanhã. — Trey Smith

Boa parte da força do Haram vem de seu vocalista de descendência libanesa, Nader Habibi, que canta tudo em árabe mesmo, traduzindo a versatilidade de sua língua materna em punk através de seus urros amargos. O Haram sempre foi uma banda de base fortemente política, mais por necessidade do que escolha, e When You Have Won, You Have Lost, primeiro disco do grupo, não foge à regra. Faixas como “Not a Terrorist” e “American Police” são afiadas como facas, já outras mais inesperadas como “Road to Liberation”, que encerra o disco ou a ruidosa “Voice of the Hari'meen", mostram disposição em experimentar com sons além dos confins do punk. Em 2016, Habibi foi posto em observação e interrogado pelo FBI, que suspeitava da agressividade de sua música (o caso foi por água abaixo, mas não fazemos ideia se Habibi ao menos recebeu um pedido de desculpas). É fácil encarar seus gritos viscerais como uma resposta direta ao sistema racista e islamofóbico em que vivemos — o que com certeza o motiva — mas a intensidade da banda e sua paixão também vem do amor que todos os integrantes tem por hardcore japonês ultradistorcido e a alegria em fazer barulho juntos. A estrada rumo à liberação é longa e dura, mas o Haram sai com alguns passos de vantagem. — Kim Kelly

The World’s Best American Band começa com um efeito sonoro de uma arena cheia de gente gritando e aplaudindo — porque na cabeça do White Reaper, esse é o seu lugar. E talvez seja mesmo. A banda de Louisville, Kentucky, mandou ver num disco de adoração ao rock que é pura diversão e, como deve ter dado pra sacar, um pouquinho arrogante. O álbum funde o clima de hinos roqueiros de bandas como Thin Lizzy e KISS com a atitude de ninguém me diz o que fazer dos Ramones. The World’s Best American Band é um disco pra você colocar uma jaqueta e treinar air guitar na frente do espelho estilo Pete Townshend enquanto sonha com um mar de fãs com seus isqueiros acesos. — Dan Ozzi

Ao passo que King of Memphis em 2016 foi o grande anúncio da intenção Dolph em ascender ao trono do rap, Thinking Out Loud já mostra o cara ali, defendendo a coroa. Aqui, ele se afasta um pouco da sonoridade trap tradicional de KoM para criar uma imagem mais refinada e acessível de sua vida, colaborando com gente como Ty Dolla Sign e DRAM em pedradas que parecem mais prontas pras pistas que seu material anterior, ainda contando com narrativas revigorantes que se tornaram sua marca. Por vezes, não importam estruturas ou jogos de palavras complexos, mas sim ser direto com o que pensa e sente, não tentar fazer a realidade mais bonita do que é. Expressividade, abertura e honestidade são tão desafiadoras quanto (ou mais) que ser um puta escriba, e Dolph continua sendo mestre na arte de mandar a real. Ele não dá a mínima se você não liga pra sabedoria que ele compartilha (ou as paradas caras que tem). Dolph não quer só entreter: ele quer motivar e encorajar você a chegar onde ele chegou e sabe que te falar qualquer coisa além da verdade seria um desserviço a todos os envolvidos. — Trey Smith

Mozzy tem um problema que certamente causa a inveja de seus colegas: o cara tem sido tão consistente ao longo dos últimos anos que fica complicado saber o que se destaca em meio aos seus lançamentos. Com 1 Up Top Ahk, o rapper de Sacramento finalmente fez os ajustes necessários para superar este probleminha ao oferecer um olhar ainda mais profundo sobre o que o motiva. Em “Prayed for This” ele relembra seus demônios sempre que visita sua antiga vizinhança, mesmo quando vai ali para curar feridas do passado. “Afraid” mostra um Mozzy que aceita as dificuldades, propondo que ajuda não é algo necessário quando você sofre o castigo merecido. “Sleep Walkin” é um exemplo de habilidades dentro do rap, mas o que a torna tão recompensadora é expor seus ouvintes a coisas que mais o afetam: perder sua filha pro conselho tutelar, o lado ruim de ser afiliado a gangues e querer o melhor para quem nasceu sem nada. — Lawrence Burney

Too Bright, o disco anterior de Mike Hadreas como Perfume Genius, mostrou o compositor de Seattle partindo rumo a territórios mais sintetizados — e seu sucessor, No Shape, trilha o mesmo caminho, com resultados explosivos. Hadreas continua no papel de cronista de temas espinhosos, mas sua música nunca soou tão aberta e convidativa, alternando momentos M83 explosivos com pegada Enya sem nada disso parecer deslocado. Hadreas surgiu no começo desta década com um piano, com canções distantes e desfocadas, ainda que de fácil identificação; desde então, a imagem só tem ficado mais clara, e No Shape é um retrato emocionado de um artista que continua a se desenvolver de maneiras novas e surpreendentes. — Larry Fitzmaurice

Tudo soa muito fácil pra Lil Uzi Vert em Luv Is Rage 2. Como mencionado casualmente em uma de suas faixas, o cara fez um disco inteiro em um mês, e independente disso ser fato ou não, Uzi destrói ao longo da enxurrada de 808s neste disco, fazendo parecer que trabalhar no piloto automático é uma boa ideia. Ele mostra seu dom para melodias, bem como um novo recém-descoberto talento para sons mais dançantes, caso de “Cha-Cha Slide”. Mas assim como seus predecessores Young Thug e Lil Wayne, o cara bate mais forte quando mostra seu lado emocional. Seus instintos seguem em alta, expostos como nunca no drama adolescente sonoro que é Luv Is Rage 2. — Jabbari Weekes

Há algo de reconfortante em saber que o Propagandhi sempre está por aí, nas sombras de Manitoba, esperando o tempo certo para surgir mais uma vez distribuindo bordoadas. O último ano e todo o inferno político envolvido certamente serviram como o sinal de alerta para que os ícones punk retornassem com seu Victory Lap. A banda ocupa um espaço único nos dias de hoje: por mais que tenham dado seus primeiros passos na música como jovens esnobes punks canadenses nos anos 90, hoje, servem como seus anciões. Suas vozes são muito bem-vindas, mas agora eles preferem ampliar as vozes dos marginalizados. Em termos sonoros, Victory Lap incorpora muitos dos elementos utilizados pela banda ao longo dos anos, do punk quase pop ao rock veloz e power metal. — Dan Ozzi

Levar adiante uma música com pouco mais que um piano e voz é sinal de habilidade — um talento enorme na esteira de ícones onipotentes como Elton John e Stevie Wonder. O rapper britânico Dave não faz música nem próxima dessas duas lendas, mas em Game Over ele apresenta esta mesma habilidade artística. Em “How I Met My Ex”, ele conta habilmente uma história ao longo de sete minutos, sem qualquer faixa de apoio além do piano, cada acorde impressionando pela intensidade que fornece ao ouvinte. Rimar como o cara rima aqui — e por tanto tempo — é algo inédito no rap britânico, e faixas tão longas quanto — “Question Time”, dedicada à Primeira Ministra Britânica, e a intrincada “My 19th Birthday”— destacam quão especial ele é, enquanto artista. Skepta pode ter chutado a porta, Stormzy pode ter tido o sucesso, mas é Dave que assume o trono do rap britânico com Game Over. — Ryan Bassil

Aqui, pela primeira vez, Dylan Baldi afirma ter escrito letras antes de entrar em estúdio e os pequenos surtos niilistas dos primeiros três discos da banda ganham alguma forma e propósito. Após mudar-se para Massachusetts para morar com sua namorada e ver tudo ir por água abaixo quando ela saiu em turnê, Baldi, sozinho, teve que reconsiderar tudo: seu comportamento, seu estilo de vida, suas composições. Sendo assim, Life Without Sound é o som do jovem compositor de 25 anos amadurecendo. O disco começa com o alívio de “Up to the Surface”, para além da inércia, finalizando com ele tentando entender seu destino e pensando em uma força maior. Pelo caminho, Dylan encontra virtudes em si mesmo que não se incomodaria de manter enquanto ataca todo o resto: “Darkened rings, with a few bright highlights”. Há algo de profundamente humano no hábil e melódico post-hardcore do Cloud Nothings, resta agradecer a seja lá qual for o deus com quem Dylan Baldi está às voltas agora. — Alex Robert Ross

Benjamin Booker foi tratado como um prodígio roqueiro quando lançou seu disco de estreia em 2014. E por que não seria? Para fãs do gênero que vivem atrás de um messias guitarreiro que poderá trazer de volta os dias de glória do gênero, sabe Deus quando foram, Booker parecia ter o perfil correto — bonitão, carismático, altos riffs, escolhido por Jack White para uma turnê. Era o pacote completo. Mas em seu sucessor, Witness, Booker não parece estar interessado em se encaixar no molde de ninguém. Aqui, ele derruba as paredes ao seu redor para criar espaço para a rápida expansão de seu som. Muito dos rocks pra bater o pézinho de outrora deram lugar para uma pegada mais blueseira. A faixa-título até tem uma vibe meio gospel, com backing vocals incríveis da lendária Mavis Staples. Witness é um disco sobre confrontar as coisas que mais te assustam, mas fica claro que Booker não teve medo de evoluir. — Dan Ozzi

Ouvir Guppy, disco de estreia do quarteto do Brooklyn Charly Bliss, é como encher a cara de doces: muito açúcar, um leve azedume, mas sem a dor de barriga. Eva Hendricks é uma da melhores vozes do rock no momento, seu tom açucarado elevando ainda mais a composição contagiante e letras introspectivas do disco. Cheio de canções que parecem ter saído da trilha de filmes adolescentes como Josie e as Gatinhas ou Dez Coisas que Eu Odeio em Você, Guppy é uma viagem nostálgica adorável, bem como uma empolgante visão do futuro — além de ser divertidíssimo. — Lauren O’Neill

Rappers adolescentes nos dias de hoje estão mais preocupados com a próxima balada, onde arrumar maconha boa e que roupas caras acabam de ser lançadas. Enquanto jovens adultos com dinheiro demais, é direito deles mesmo. Mas não é bem o caso do rapper de Batom Rouge YoungBoy Never Broke Again em AI YoungBoy. Em 2017, o jovem de 18 anos escapou de uma acusação de tentativa de homicídio e viu seu terceiro filho nascer, o peso destes dois eventos e as complicações relacionadas ouvidas em cada faixa aqui. YoungBoy rima mais pesado do que nunca ao falar do que é preciso para seguir rumo à salvação. De forma cada vez mais terna ele fala sobre tirar sua família de longe da Lousiana, uma declaração emocional que vai além de sua pouca idade. — Lawrence Burney

O Weaves é uma das melhores bandas de Toronto. Seu disco de estreia lançado em 2016 nos permitiu vislumbrar seu poder, agora cimentado com seu novo álbum, Wide Open, em que a banda assume diferentes personalidades ao longo de suas faixas. De “#53” a “Walkway”, temos uma banda fixa de uma casa noturna, descolada e divertida, ainda que profunda e cheia de propósito, como vemos em “Law and Panda”, em que Jasmyn Burke canta “I dare you to question the man / because we got something he can’t stand”. De “Wide Open” até o ponto focal do disco, “Scream”, que conta com a participação da cantora gutural Tanya Tagaq, há uma espécie de explosão; um embate e um desmoronamento. O restante do disco é harmonioso, como se tudo estivesse voltando pro lugar, com as composições de Burke tendo amadurecido ainda mais após o excelente disco de estreia da banda. A faixa final, “Puddle”, é uma canção dolorosa que começa no violão enquanto Burke canta “I’m giving a voice to the person you saw in my eyes”, soando como a Karen O desta geração. — Sarah MacDonald

Ao longo dos últimos anos, Stormzy deixou de ser uma cria do grime para se tornar parte da cultura britânica tanto quanto fish and chips. O cara é mais realeza que a própria família real. Tendo isso em mente, o lançamento de Gang Signs & Prayer, seu disco de estreia, nunca que passaria despercebido. E quer saber? O mano arrebenta. De “Big For Your Boots” ao grime feroz e gélido de “Cold” ao calor gospel de “Blinded By Your Grace Part 2 (feat. MNEK)” e o romance de “Cigarettes & Kush (feat. Kehlani and Lily Allen)”, o disco soa como uma baita demonstração de talento e prática em diversos gêneros: é uma declaração de valores, uma bandeira plantada firmemente na lama. — Daisy Jones

Apricot Princess, disco de estreia do Rex Orange County, certamente é um dos discos mais coloridos e ricos emocionalmente que vimos esse ano. E por mais que possamos colocá-lo nas caixinhas do rap, pop ou soul, ele é muito mais que isso. É um disco definido por estéticas, por sensações. Composto por cordas reflexivas, sintetizadores alegres e doses leves de piano, com vocais rap e cantados, parece o equivalente a um filme do Harmony Korine ou uma série de fotos instantâneas tiradas no verão do seu primeiro amor. “And there's not a day that I won't be yours, and I'm glad I'm not alone anymore, is this too good to be true?”, canta em “Sycamore Girl”, capturando perfeitamente aquele clima de começo de namoro, que é a essência do álbum. — Daisy Jones

Em 2016, Haley Fohr fez um ciclo de canções experimentais inspiradas em outlaw country. Em vez de lançar tudo no Bandcamp, ela criou uma personagem nova: Jackie Lynn, uma traficante de cocaína fugitiva com um chapéu vermelho de caubói. Seu novo disco como Circuit des Yeux não tem um pano de fundo tão elaborado, mas tem uma história bem intensa. Após um período de tumulto existencial e interpessoal — que em algum momento a fez “convulsionar, vomitar e chorar” após cair no chão Reaching for Indigo é o som de uma nova Fohr. Em meio ao prog-folk de “Paper Bag”, ela canta com a confiança de um Moisés descendo a montanha (ou quem sabe um Robert Plant do Zeppelin III). Trata-se de um despertar espiritual manifestado em oito curtas canções, o cumprimento da profecia de Belinda Carlisle e do Livros das Revelações: o paraíso pode mesmo estar na Terra. — Colin Joyce

A festa citada em After the Party são os seus vinte e poucos anos e todo o sexo, drogas e rock que rolaram ao longo desses anos. Assim que você dá play neste disco, os Menzingers te levam numa jornada pós-30. “Where are we gonna go now that our twenties are over?” questiona Greg Barnett com seu vocal característico na primeira faixa do álbum. Claro que não há respostas a essa pergunta aqui, apenas lamentos sobre o tempo que se foi e nostalgia sobre memórias doces e dolorosas. No final, Barnett parece ter encontrado algum conforto nas imagens mentais que tem de sua juventude, por mais mundanas que sejam. — Dan Ozzi

2017 foi excelente para a londrina Mabel. No começo deste ano, ela lançou seu primeiro EP, Bedroom, e desde então só coleciona vitórias com a estelar mixtape Ivy to Roses. Há algo pra se amar em cada faixa aqui, da despojada “Low Key”— um hino para qualquer um que já teve que falar pr’aquele match do Tinder que não queria conhecer seus pais depois de dois encontros — até a arriscada “Ivy” em que Mabel é acompanhada somente por um piano, deixando claro que é uma Vocalista com V maiúsculo. Ela é versátil o suficiente sem sacrificar sua sonoridade característica, então Ivy mistura pop tradicional com R&B e a angústia que é tentar encontrar alguém nos dias de hoje — um monte de canções de amor para millenials, sons para trepar, brigar e trocar DMs. — Lauren O’Neill

Number 1 Angel é possivelmente o trabalho mais coeso de Charli XCX até então, mostrando sua evolução enquanto compositora e colaboradora de Iggy Azalea em alguém interessada em sons mais lado B. São dez faixas de pop experimental com uma pegada niilista, maximizando sentimentos fugazes: “Roll With Me” é sobre aquela trocada de olhares na pista de dança, “Drugs” trata do sentimento que só surge no início de um relacionamento e “3AM” é o conflito interno que surge quando te ligam bêbado depois que tudo acabou. Em termos sonoros, Charli XCX sempre foi atrás de diversão de rebeldia, mas Number 1 Angel mostra uma Charli disposta a colaborar com artistas e produtores de maneira tão íntima que parece mesmo que estão só passando microfones no meio de um show, se divertindo a valer em mundo criado por ela sem qualquer compromisso. — Emma Garland

Muita gente já tentou fazer música para o fim do mundo. Com Hug of Thunder, o Broken Social Scene conseguiu. Em faixas como “Halfway Home” e “Skyline”, estes campeões do indie rock canadense distribuíram camadas e camadas de instrumental e corais que envelopam o ouvinte como um edredom pesadaço. “All along we’re gonna feel some numbness / Oxymoron of our lives”, canta docemente Leslie Feist na faixa título do disco. É verdadeiro e cru, mas te faz sentir melhor. Isso porque com todos os metais e sopros e guitarras e pianos, Hug of Thunder traduz em som o conceito de segurança. — Leslie Horn

Bicho, tá afim de voar? Nightmare Logic do Power Trip e sua sonoridade visceral te farão sair voando pela galera, surfando rumo ao apocalipse. O empolgante segundo álbum do quinteto de Dallas é um disco agressivo que mistura thrash e death metal de mentalidade hardcore rumo ao novo mundo. Riffs monstruosos soam como lança-chamas e serras elétricas, e tudo mantendo uma certa melodia em meio ao caos. Em termos líricos, a banda segue com temas políticos como em “Executioner’s Tax (Swing of the Axe)” e “Waiting Around to Die”, adotando uma mentalidade distorcida e absurdista que é o que faz da música pesada algo tão maravilhoso. — Eric Sundermann

Chamar Future de prolífico agora já virou clichê. Ele lança MUITA coisa. É assim que o cara funciona. O artista de 34 anos lança projeto após projeto, sempre se desafiando como artista de forma a crescer e mudar com cada som enquanto mantém a essência do que faz suas músicas tão atraentes. Em FUTURE, um de seus três lançamentos deste ano, o rapper chega com um de seus trabalhos mais completos até então. Nayvadius sabe que esse é o que melhor lhe representa — ele batizou a parada como FUTURE, afinal. Faixas como “Draco” e “Mask Off” mostram seu hedonismo festeiro, enquanto “Might as Well”, “When I Was Broke”, e “Feds Did a Sweep” revelam o lado destrutivo de nosso herói e suas noitadas regadas a drogas e arrependimento. O mundo segue girando e Future continua aqui — mais belo e trágico do que nunca . — Eric Sundermann

Para crentes fervorosos nas possibilidades radicais do prazer, o segundo disco de Fever Ray tem só hinos. Vivendo à beira do desastre nuclear, ecológico e pessoal, Karien Dreijer — a força motriz do projeto — oferece uma forma de retomar o poder, ainda que de forma minimalista: “every time we fuck we win”. O destaque do disco vai para “This Country”, de sonoridade rave industrial, já seu single “To the Moon and Back” aborda o poder transformador do desejo queer, explorando a forma com que existências pessoais tornam-se inerentemente políticas e as maneiras com que estas explorações podem remapear as dinâmicas de poder tóxicas e abusivas que ameaçam a existência da humanidade. Tudo ao som desesperançoso e ruidoso de Dreijer e seus produtores, que incluem Peder Mannerfelt, Paula Temple, Nídia e mais. Tudo acaba soando bastante apocalíptico, mas o mundo é assim, né? — Colin Joyce

Millennials são pessoas deprimidas que adoram a sonoridade dos anos 80, então faz sentido que o quinto e melhor disco do Paramore, After Laughter, seja um disco que afete qualquer um meio jovem e cheio de ideia errada na cabeça. É complicado definir — de maneira que não soe puro fetichismo — a o que Hayley Williams se refere aqui. Ainda assim o álbum reforça Williams como cronista de sua geração de forma que muitos gostariam de ser, fazendo a ansiedade de viver e a necessidade de reconhecer sua própria dor soem como algo divertido e cheio de sintetizadores. Mas mais importante que isso tudo, Williams admite que há espaço para luz também: “They say that dreaming is free”, canta, vulnerável, na faixa mais calma do disco “26”, “But I wouldn’t care what it cost me”. — Larry Fitzmaurice

O segundo disco do Ragana, You Take Nothing, muitas vezes encobre sua raiva e melancolia com a luz fria do inverno, com poucas passagens melódicas e sussurros atuando como a canção de ninar ameaçadora que vem antes da tempestade. A dupla de Olympia, Washington leva consigo o espírito terroso e enevoado de sua cidade natal, conferindo a You Take Nothing (e seu predecessor, Wash Away) um quê de abertura, selvageria, e, crucialmente, vulnerabilidade. É difícil descrever porque o Ragana é tão especial: só ouvindo mesmo. No fundo, You Take Nothing é um disco bastante emotivo, onde o político é pessoal e vice-versa. Cada sílaba gritada aqui é uma oração e uma maldição, cada nota, um aviso. A postura anarco-feminista da dupla e dedicação ao faça-você-mesmo ganham destaque em tudo que fazem, dando a banda um senso de urgência radical, raiva fervilhante e profundidade emocional. — Kim Kelly

Desde o começo de Swear I’m Good at This, Diet Cig quer que você saiba qual é a da dupla. A primeira faixa “Sixteen” começa com uma tremedeira, mas três minutos depois deixa claro que se trata da desaprovação furiosa de um relacionamento cagado — através de lembranças sexuais menos do que ideais — com uma sonoridade pop punk acelerada. É uma declaração bem abrangente. Ao colocar a franqueza no centro de tudo, Swear I’m Good At This soa catártico para quem ouve e quem toca, ao passo em que Alex Luciano exorciza seus demônios (sua voz é tão pura que não teria nunca como disfarçar o que sente) e você vai na dela, lamentando um aniversário triste ou furiosa com a desigualdade de gêneros no punk rock. Swear I’m Good at This é um disco com o qual nos identificamos porque fala o que pensa — tudo mesmo. E é foda, o que também ajuda. — Lauren O’Neill

Turn Out the Lights, o segundo disco de Julien Baker, soa como a parte dois de um disco duplo — a primeira sendo o excelente Sprained Ankle de 2016. Se aquele disco lidava com Deus, abuso de substâncias, saúde mental e relacionamentos, Turn Out the Lights lida com o vazio deixado por isso tudo. Dessa vez Baker está menos silenciosa, trocando o folk de antes por luxuriosas composições com piano, guitarra e cordas (só após algumas audições você percebe a falta de percussão). Cada faixa pega aos poucos; a voz de Baker muitas vezes surge meio rachada, com confissões simples do tipo “But there's a comfort in failure / Singing too loud in church / Screaming my fears into speakers / 'Till I collapse or I burst”. E então ela transcende, cantando sobre momentos de fraqueza e transformando-os em vitórias — não é bem uma resolução, mas é catártico do mesmo jeito (se o final de “Claws in Your Back” não te arrepiar, vá, ao médico). Turn Out the Lights é de uma sinceridade que dói, e no final, ancora-se no único tipo de esperança que faz sentido: “Maybe it's all gonna turn out alright” ela canta em “Appointments.” “Oh, I know that it's not, but I have to believe that it is.” — Andrea Domanick

Courtney Barnett e Kurt Vile se juntando num disco faz tanto sentido que seja lá quem for o presidente do Indie Rock precisa ser tirado de lá por não ter feito isso rolar antes. Lotta Sea Lice é um disco perfeito pras tardes de domingo. Dois amigos que são ótimos no que fazem se juntam e tocam nove faixas mostrando o quão bons são no que fazem. A pegada espontânea das letras de Barnett é bem apoiada pelo amor de Vile por riffs brisados que sempre se fizeram presentes em sua música. Faixas como “Over Everything” e “Continental Breakfast” mostram bem como a dupla funciona, uns maconheiros aceitando a alegria psicodélica que só pode ser encontrada numa guitarra, mas o bicho pega mesmo quando um faz versão de um som do outro. A versão de Barnett para “Peepin’ Tom” é uma faixa-modelo de composição introspectiva, já “Outta the Woodwork” na versão de Vile é um country lerdo meio blues que vai te fazer desejar ser tão cool quanto esses riffs. — Eric Sundermann

O rock não costuma ser arena de debates para discussões sobre domesticidade. Talvez porque deva ser uma fuga do cotidiano. Em Cowgirl Blues, porém, Katie Ellen cria uma importante exceção, lidando com relacionamentos, casamentos, morar junto, amor e estar pronta (ou não) para tudo isso. Ao longo de dez faixas, Anika Pyle mergulha na luta mental que é lidar com expectativas da sociedade, suas emoções e realidade, resultando em uma fascinante colcha de emoções — raiva direcionada à instituições, frustrações práticas (“Love is not enough”, já dizia um refrão), e a ideia de que às vezes, o que você quer só não dá certo — tudo isso acompanhado de instrumental power pop e indie mais lentinho. É sinceridade do mais alto calibre, o que faz com que Cowgirl Blues alcance um feito todo seu: é um disco que fala a verdade. — Lauren O’Neill

É tentador falar do terceiro disco de Mackenzie Scott como Torres como uma grande salto a um território único, o que seria verdade até certo ponto. O pulsar mínimo, sintético, que caracteriza seu misticismo metropolitano aqui não esteve presente em seu disco de estreia de 2013, bem como guitarras estavam presentes em Sprinter, de 2015. Mas ela sempre foi implacável do ponto de vista sonoro e espiritual, confrontando Deus, tecendo comentários sobre sua criação complicada e testando os limites de sua guitarra. Em Three Futures, ela se mostra mais à vontade e ambiciosa com tamanha inquietude, com controle de tudo. Este disco é a trilha de uma casa com dez quartos e todos os cheiros, sabores, cores e texturas nesta, onde Scott cria ritmos desoladores rumo a grandes crescendos, antes de destruir tudo de novo. Ela usa sua voz de maneiras diferentes aqui — suave e divida em um momento, rugindo e aterrorizante no outro, sempre cativante e nada menos que isso. Com tamanha genialidade, ficamos pensando que espaço ela decidirá habitar futuramente. Uma da maiores rockstars de nossa geração, quem sabe, mas talvez ela já esteja lá. — Alex Robert Ross

Syd tem só 25 anos e já parece veterana na indústria. Parte essencial do grupo de R&B The Internet, além de ter ligações com o coletivo Odd Future, incluindo Tyler, the Creator e Frank Ocean entre seus amigos e colegas. Era quase absurdo que ela ainda não tivesse estourado sozinha, com tanto talento sobrando. Sendo assim, Fin é um título peculiar para um disco de estreia. Fin pode muito bem ser uma referência a uma fase de sua vida que se encerra, onde a artista se coloca sob os holofotes, como em seu primeiro single “All About Me”, em vez de fazer parte de um coletivo. Relacionamentos e amor são alguns dos temas dominantes, então o final especialmente complicado de um relacionamento também pode ser o tal fin, como ela canta na última faixa do disco, a jazzeada “Insecurities”. Porém, há um momento de pura alegria sexual e sensual no auge do disco, “Body”, uma faixa clássica de R&B completa com gemidinhos e uma batida que vai fazer você levantar as sobrancelhas. O compromisso de Syd em escavar sonoridades R&B descoladas é o que faz este disco brilhar. — Sarah MacDonald

Vince Staples é conhecido por sua percepção e língua afiada ao fazer comentários crueis e direto ao ponto feitos de forma a desafiarem e documentarem a dura realidade da vida. Nada disso mudou em seu segundo disco, Big Fish Theory. O que mudou foram as batidas, ao menos um pouquinho, já que sonoridades industriais sempre estiveram presentes nos projetos Summertime 06 e Prima Donna, mas as batidas decididamente eletrônicas de “745", próximas de gente como MC Frosty, como dito pelo próprio Vince, diferem das outras. Em “Yeah Right” questiona narrativas falsas dentro do rap, enquanto a faixa produzida por SOPHIE bate e borbulha com graves sem forma, mantendo um equilíbrio até seu final. A visão concisa do rapper não deixa nada escapar, enquanto o tenso disco de 12 faixas apresenta sua tese sobre os perigos do sucesso (“Couple problems my cash can't help / Human issues, too strong for tissues/ False bravado all masked by wealth”) enquanto prende sua atenção. Com comentários simples e inteligentes, com pouca paciência para excessos, Staples entrega algo em Big Fish Theory que soa diferente e familiar, se destacando em relação aos seus colegas de gênero. Deus abençoe Staples e a participação de Ray J neste álbum. — Jabbari Weekes

Fãs de rap sempre esperam que JAY-Z defina o tom do movimento no futuro próximo. Quando ele disse que camisetas não serviam mais pra marmanjo e era hora de trocá-las por camisas de botão gigantes, muita gente ouviu. Quando ele disse que o autotune estava saturando o mercado do rap, a galera ouviu — um pouco. Mas assim que ele começou a falar sobre arte que ninguém teria como comprar, a coisa mudou de figura. Como descrito pelo próprio em uma recente entrevista ao New York Times, se a carreira de um rapper está indo certo, a próxima fase de se gabar por comprar coisas impossíveis anteriormente é a compensação de que “o que há de mais bonito não são objetos. As coisas mais belas estão dentro”. 4:44 trabalha com essa teoria quase que exclusivamente. Jay fala sobre trair sua mulher e o medo de revelar essa dura verdade, do orgulho de sua mãe encontrar o amor do seu jeito e de como a terapia pode ser uma forma de libertação. Por mais que seja improvável um homem de 48 anos convencer gente de 20 e poucos a fazer terapia, só o fato de que um cara considerado um dos melhores do gênero falar de saúde mental já dá sinal de coisa boa pro futuro do rap. — Lawrence Burney

Phil Elverum falou de A Crow Looked at Me, um disco sobre lidar com a morte de sua esposa Geneviève como se mal fosse música — e ele está certo. Poucas das 11 faixas aqui tem mais de um ou dois instrumentos, a maioria deles pertencente à Geneviève. Tal minimalismo é o sinal mais óbvio do tema mais evidente do disco: de como a morte pode nos tirar tudo. Elverum descreve em detalhes o declínio de Geneviève — das alterações na fisionomia de seu rosto a ter que cuidar do lixo cheio de lenços ensanguentados – e os sentimentos contraditórios que vieram depois. Ele descreve como a levará consigo, tanto em histórias quanto na criação de sua filha. Na última faixa do disco, ele descreve ouvir aquela doce voz murmurando em meio ao sono, enquanto tira um cochilo apoiada em sua mochila durante uma caminhada, uma única palavra, mas que parece esperançosa em meio a tanta dor: “Crow”. — Colin Joyce

Kristina Esfandiari esteve em toda parte esse ano. A nativa da Bay Area tem feito shows feito louca com seu projeto solo Miserable e sua banda de doom King Woman; além disso, cantou em shows com o Thou (dentre outros), além de ter supervisionado o lançamento da estreia do King Woman na Relapse Records, Created in the Image of Suffering, sendo este seu mais impressionante feito em meio a um ano cheio de vitórias e sucessos. Misturando doom, drone, shoegaze e post-rock em um disco pessoal de pura emoção, Esfandiari e seus colegas de banda Joey Raygoza, Peter Arensdorf, e Colin Gallagher criaram algo único. Como comentado pelo Noisey, sua voz terrosa acaba por ser o epicentro de qualquer tempestade musical onde se atire. — Kim Kelly

Quando Margo Price estreou em 2016 com Midwest Farmer’s Daughter, ela trouxe algo que estava em falta no gênero. Misturando o lirismo de Dolly Parton, Loretta Lynn e Emmylou Harris com uma sonoridade única, ela nos contou a história de sua vida da forma mais durona possível, o que lhe rendeu respeito e chamou a atenção de quem deveria. Um ano e meio depois, All American Made poderia ter saído como algo apressado, uma observação pouco aprofundada do estado em que todos ficaram após a vitória de Trump numa tentativa de compreender tudo. Mas Price, ainda que claramente afetada, não nos pediu para que a acompanhássemos numa espiral de raiva e sim nos apresentou uma série de canções para que não esqueçamos que a dor, ainda que não seja nova, é produto 100% americano. — Annalise Domenighini

O sétimo disco do prolífico cantor-compositor Alex Giannascoli se constrói com sonoridades country, do piano de “Proud” à melancolia perfeita de “Bobby” e o minimalismo de “Powerful Man”. Não bastasse o tanto de LPs completamente diferentes lançados desde RACE em 2010, Rocket chega pra provar que o cara não consegue ficar parado. “Brick” é uma loucura post-hardcore industrial; “Sportstar” brinca com R&B; “Horse” é inclassificável em meio a tantos sintetizadores e teclados. Rocket é maravilhoso em sua diversidade sonora, cimentando a imagem de Giannascoli como alguém que pode fazer o que bem entender, quando quiser e sempre sairá algo fascinante. Ele merece tudo isso, mas Rocket é mais que uma exibição de seu talento; o disco mostra Giannascoli alternando vários personagens e diferentes máscaras, questionando-se no decorrer do processo. Confiante e sabichão num momento, então aterrorizado e desconfiado no outro. Na faixa de abertura do disco, ele canta “Now I know everything” e poucos minutos depois passa a falar de depressão e fica sem respostas. Em “Sportstar” ele quer ser machucado, então se liberta: “I play how I wanna play / I say what I wanna say”. Ele é honesto — talvez mais do que deveria em alguns momentos e é isso que faz de Rocket seu melhor disco e fará que as pessoas o admirem muito depois dele deixar de ter sido um prodígio. — Alex Robert Ross

Lana Del Rey sempre dividiu as pessoas. Há quem a considere superficial e chata. Outros a veem como uma grande contadora de histórias, rainha da transformação de iconografia pop em simbolismo, uma artista que é também um gênio cinemático. Se você é dos que a odeia, então nem deve ter dado uma chance ao seu quinto álbum, caso contrário Lust for Life é o auge de Lana. Na faixa título ela se junta ao seu gêmeo the Weekend e canta sobre dançar sobre o H do letreiro em Hollywood. Em “13 Beaches” ela despista paparazzis e sonha com amor de verdade. Em “Heroin” ela cita Charles Manson, tempo quente, lojas de bebidas, estrelas do cinema e decadência. Do começo ao fim, a coisa toda soa doentiamente doce, boba e totalmente gloriosa. — Daisy Jones

Black Origami é o equivalente daqueles adesivos holográficos: ao tentar olhar numa parte específica, ele perde seu efeito, o que era meio que a intenção de Jlin. “Não sou daquelas pessoas que precisa saber porque está fazendo algo”, disse. “Eu preciso saber o que estou estudando e porque funciona como funciona”. Ela falava de sua afinidade pela matemática, mas isso vale bem para o quebra-cabeças que é seu segundo disco — que a coloca ao lado de verdadeiros alquimistas sonoros como Holly Herndon e William Basinski. O resultado é uma cativante colagem de contradições: Black Origami vem das raízes de Jlin, com sonoridades percussivas, de Bollywood, ambient e industrial, sendo um disco de música eletrônica sem gênero definido. É profundamente arrítmico, ganhando força nos espaços entre batidas, com partes brilhantes, ainda que exijam do ouvinte, criando uma experiência que soa natural, até mesmo simples. Black Origami bate forte — música para ser sentida e não ouvida. — Andrea Domanick

American Teen de Khalid é uma coletânea de pop açucarado e sintetizadores oitentistas que poderia muito bem estar na trilha de um filme de John Hughes, uma força nostálgica movida pela incerteza da juventude. Seu compositor — um moleque de 19 anos do exército, natural de El Paso e que acaba de se formar no ensino médio — soa muito mais sábio do que a idade entrega, tentando aceitar e entender o que é amadurecer. Ao longo de sons pop como “Location”, “Young Dumb & Broke”, e “Hopeless” Khalid mostra seu tom barítono, uma das melhores vozes na música no momento. Além do que, as letras tratam de temas gerais da juventude — crescer, se apaixonar, temer o futuro — mas com uma pegada moderna (o refrão do single foca em mandar a localização pra alguém). Pra completar, a forma como o disco passou a fazer parte da cultura pop é poética a ponto de ser clichê: por conta do Snapchat de Kylie Jenner. Demais, né? — Eric Sundermann

Em teoria, 45 minutos de música eletrônica dissonante não devem soar tão charmosas a não ser que você seja o tipo de pessoa que escreve haikais e acha sacolas plásticas bonitas. A real é que o terceiro disco de Arca é estonteante e uma delícia de ouvir. O produtor venezuelano e parceiro frequente de Björk usa sua voz como outro instrumento, distorcendo-a em diferentes texturas, em meio a teias de eletrônicos, sintetizadores gelados e batidas industriais. O resultado é um disco recheado de faixas frias e românticas, expansivas e intimistas, caóticas e meticulosas. É como olhar uma pintura a óleo e pensar que ela tem uma única cor e perceber que é feita de tantas cores ocultas que não dá nem pra contar. É respirar fundo e absorver. — Daisy Jones

Regionalismo é o que está no centro do novo rap e o torna tão empolgante, servindo de portal para seus ouvintes compreenderem o que leva sua cultura além, de fronteiras, ou caso você seja de uma região em especial, pode afirmar sua identidade e experiências. É o que faz do rap da Costa Oeste especial, é o que faz o trap de Atlanta infiltrar o mainstream e faz do drill de Chicago ser a extensão sonora de uma cidade em crise. Quando sua cidade não tem um som característico isso pode ser um desafio. E foi isso que o GoldLink pegou para si e saiu vitorioso com o lançamento de At What Cost. Em vez de se basear no som clássico de DC, ele captou a essência da cidade ao relembrar memórias da infância e convidar colegas locais para brilhar onde se sentiam mais à vontade. Wale aparece para falar de flertes de tempo da escola, (“Summatime”), “Have You Seen That Girl?” relembra os locais da adolescência de Link na área da DMV e “Crew”, indicada ao Grammy, chega com Shy Glizzy e o melhor verso escrito por ele em muito tempo, contando ainda com participação brilhante de Brent Faiyaz. — Lawrence Burney

The Unlawful Assembly é um dos mais importantes discos de metal de 2017. Como escrito no Noisey em setembro, o Dawn Ray’d mistura um espírito revolucionário a uma sonoridade black metal que deve tanto a Iskra e Anti-Cimex quanto às tradições da classe operária inglesa e o black metal norueguês clássico. Além de impressionar musicalmente, o público reagiu: a aceitação tem sido incrível e a banda assinou com a gigante Prosthetic Records. Claro que metaleiros podem muito bem partir para as raízes escapistas do gênero e falar de dragões, putaria ou violência — mas alguns de nós prefeririam fazer do mundo um lugar melhor para a próxima geração. Este é um disco que também traz consigo a pequena, mas resistente tradição esquerdista do gênero. A mudança só pode vir de dentro, não é possível fazer uma revolução, você só pode ser a revolução. Ou faz parte do seu espírito ou não existe — e há uma chama queimando ali no Dawn Ray’d que é necessária. — Kim Kelly

Seguindo o sucesso nas paradas de “Bad and Boujee” nas primeiras semanas de 2017, as expectativas enfrentadas pelos Migos com o lançamento de Culture eram altíssimas. Mas elas foram atendidas e ninguém deveria se surpreender: o trio de Atlanta sempre deixou claro que o grupo é coisa de irmão mesmo e que sua química é resultado de anos juntos e não há exemplo melhor que este disco. As rimas e melodias de faixas como “T-Shirt” e “Get Right Witcha” fazem pensar em nado sincronizado, só que com mais drogas. Além do que, praticamente todas as faixas do disco são pedradas, caso de “Call Casting,” “Slippery,” “What the Price”. O álbum mostra ainda o amadurecimento de cada integrante também. Enquanto Quavo tem mais popularidade com ouvintes casuais, Offset prova ser um artista solo viável e Takeoff mostrou sua genialidade lírica. Pensando em cultura e seu impacto neste ano de 2017, não havia disco com melhor título. — Trey Smith

HNDRXX é o projeto de Future pelo qual todos esperávamos desde que o rapper apareceu. É mais do que uma versão melhorada de Honest, uma exploração de uma estética pop e R&B que sempre esteve presente no trabalho do rapper. Faixas como “Use Me,” “Neva Missa Lost,” e “I Thank U” seguem o estilo de artistas dos anos 90 Jodeci (sampleados em “Neva Missa Lost”) e New Edition. HNDRXX é um dos discos mais maduros de Future — ele fala de amor com mais arrependimento do que amargura, e as partes cantadas tem mais beleza que dor. “Fresh Air” é um retorno ao som “feliz” de Future que muitos fãs e críticos acreditavam não existir mais. HNDRXX mostra Future decidindo não lamentar mais onde errou ou o que sentiu, olhando para o futuro, empolgado com novos relacionamentos que virão. Fora isso, “Sorry” é um outro tão bom senão melhor que “Codeine Crazy”, sério mesmo. — Trey Smith

Nos anos que virão, seus filhos puxarão a barra de suas calças perguntando como surgiu a Melhor Banda do Mundo. Você os pegará no colo e contará a história do Sheer Mag. Após três dos melhores EPs de rock do Século XXI — I, II, e III, lançados entre 2014 e 2016 — a banda lança seu primeiro disco, Need to Feel Your Love, em julho de 2017. Ao fazê-lo, eles assumiram seu trono como reis de todas as possibilidades existentes dentro da música com guitarras. Este é um disco técnico e que ainda assim soa como um pico de adrenalina, com refrões grudentos, sem deixar de lado os riffs maravilhosos e rockeiragem pura da voz de Tina Halladay. O disco prova que a banda é das grandes mesmo, inspirando-se em clássicos como Neil Young and Crazy Horse e suas raízes punks. É isso que você dirá aos seus filhos e eles ouvirão o disco e amarão. — Lauren O’Neill

Lorde é uma escorpiana orgulhosa, caso você se importe com referências zodiacais (ela sim), e escorpianos piram numa intensidade. Em seu disco de estreia de 2013, Pure Heroine, Lorde mostrou parte de si, mas em Melodrama ela põe tudo à mostra e nos conclama a observar tudo que rola dentro dela. É um disco confiante e sincero. Muitas vezes artistas pop sofrem resistência por conta de autenticidade, argumentam que tudo que fazem é fabricado, um ponto de vista muito estreito pra ser levado em consideração e até mesmo insincero no caso de Melodrama.

Ao longo do álbum, Lorde mostra toda a intensidade de um coração partido: após o fim de um relacionamento de três anos, deixando de ser uma adolescente e virando uma mulher aos olhos do público, Melodrama é um manifesto pop que trata do que é preciso ser feito, vivendo, sofrendo e aprendendo — tudo isso ao som de batidas de hip hop, sintetizadores e um piano. A produção a cargo do amigo e membro do Bleachers Jack Antonoff ajudou a complementar os momentos mais peculiares de Lorde.

Melodrama é um álbum coeso. Soa como uma noitada, começando com “Green Light”, aquele som típico pré-bebedeira, passando então por “Sober” e a frenética “Homemade Dynamite”, para o pós-balada de “Liability”, que lida com a realidade de ficar sóbria e não só o brilho de se perder na noite, mas se perder na noite de Nova York. A maior força do disco, porém, não está na sua coesão: faixas soltas soam tão impactantes quanto em conjunto. “Supercut” poderia muito ser um hino daqui 20 anos. (“We were wild and fluorescent / Come home to my heart” é uma letra que arrepia.)

Se Melodrama fosse uma carta de tarô — pra manter o tom místico de nossa cria pop criada a base de Stevie Nicks — seria A Torre. E por mais que a imagem destrutiva desta carta seja aterrorizante, ela também é libertadora: queime tudo e comece mais uma vez. Foi que Lorde fez aqui, lindamente. — Sarah MacDonald

Se o disco autointitulado de St. Vincent é sua ascensão à persona Homo Superior Bowie, MASSEDUCTION é o hematoma de uma mulher que bateu de cara com o planeta. Lá se vão os adornos de realeza e olhar confiante de 2014. É díficil manter uma aura de cool quando sua vida amorosa 100% mundana ganha a fascinação do público em meio a fofocas de tapete vermelho e Instagram. Com todos a observando, Annie Clark mandou tudo à merda e chamou a gente pra entrar, resultando em seu trabalho mais vulnerável até então.

MASSEDUCTION é um disco tumultuoso sobre excessos pós-término, com synthpop frenético abrindo espaço para corais, teclados pesarosos e tristes, e, ainda, guitarras distorcidas: é como o glitter na sua pele pós-ressaca, a claridade inevitável do sol entrando pela janela, a garrafa vazia. Mal chegamos aos três minutos quando Cara Delavign, ex de Clark, aparece cantando o robótico refrão de “Pills”, em que ela não esconde sua overdose: “I can’t even swim in these waves I made / From the bath to the drain, and the plane to the stage / To the bed, to give head, to the money I made”.

“Sugarboy” é a paulada pop mais forte do disco, com um produção sintética que quase engole a voz soprano de Clark enquanto detalha amantes de ambos os gêneros. Seu gemido derrotado no refrão destrói sua imagem de deusa alienígena: “I am a lot like you / I am alone like you”. Quando chegamos em “New York” a mais pungente balada ao piano a encaixar um “motherfucker”, o prazer do sexo e drogas sem limites se esvai com a saudade de amigos, heróis e amores perdidos. A estonteante “Los Ageless” cristaliza sua motivação: "How could anybody have you and lose you and not lose their minds too?". A perda de Clark é o ganho de St. Vincent: MASSEDUCTION prova que ela tem a sensibilidade pop necessária acima de todo seu virtuosismo. — Jill Krajewski

Kelela só lançaria um disco de estreia quando estivesse pronta, coisa que deixou claro em uma postagem no Instagram de julho deste ano, enquanto criava o successor de Cut 4 Me, mixtape de 2013 e do EP Hallucinogen de 2015. O resultado é o apaixonado e íntimo Take Me Apart, que pulsa com uma intensidade que vai de uma conversa pós-término no apartamento do ex, passando pelo carro, boate e então quarto quando vocês mais uma vez caem nos braços um do outro. Valeu e muito a espera.

Tudo isso porque Take Me Apart mostra uma Kelela na versão mais honesta de si mesma até então. Há uma abertura e vulnerabilidade familiares que acabam, em suas mãos, brilhando mais que o sol. Um brilho que podemos imaginar ter vindo de conversas sinceras sobre amor, luxúria e limitações. Com todas as piadas sobre 2016 ter sido um péssimo ano, ou ainda um ano que não fez muito sentido, 2017 conseguiu superá-lo. Em um mundo que parece estar a um tuíte de distância de uma guerra nuclear, ou quando manchetes parecem pôr tudo a perder, Take Me Apart serve de refúgio e conforto, nos graves de “ Blue Light” ou na batida calma de “Altadena”.

Como foi o modus operandi de Kelela desde seu surgimento com Cut 4 Me, sua voz conforta ainda que a produção angular corte no meio disso tudo. Kelela foi produtora executiva aqui, o que vale ser mencionado, tendo em vista que como etíope criada em Washington, ela sempre se dividiu em dois mundos. Musicalmente, ela o faz com gêneros, estilos e texturas sônicas. Jam City, com quem ela tem trabalhado desde 2013, ajuda a fazer com que a faixa de abertura “Frontline” brilhe enquanto Kelela entoa “If you think I'm going back, you misunderstood” com toda a confiança de alguém que ainda não sentiu a dor do fim de um relacionamento. Em outro ponto do álbum, Arca é acompanhado por nomes como Ariel Rechtshaid, Kwes e Bok Bok (por vezes todos numa só faixa), contornando os synths e graves ao longo da voz de Kelela.

Ela sempre ocupou um espaço impreciso no tal “zeitgeist musical”. Sua voz pode ser R&B até a alma, mas ela não tem nenhum interesse em compor sons pra rádio ou ser vendida com o brilho que ela mesma sugere. Em vez disso, Kelela opta por lançar um disco que narra sua história como negra e sua vida amorosa, sem clichês. Há dor. Há uma franqueza única sobre querer trepar no single “ LMK”. Há lágrimas em “Onanon”. Claro que os fãs tiveram que esperar um pouquinho, mas Kelela se entregou como poucas para quem estiver disposto a ouvir. — Tshepo Mokoena

Semelhante a qualquer grande nome da economia norte-americana Drake é grande demais pra cair. Seu quarto disco de estúdio Views, acabou sendo criticado por fãs e críticos na mesma proporção por ser longo demais, inconsistente demais, e bom, Drake demais. Apesar disso, vendeu feito Adele em um ano que o cara basicamente estava disputando mercado com ela.

Drake, acima de tudo, tem noção do que acontece ao seu redor — e isso vai além de outdoors que até mesmo Frances McDormand diriam ter ido longe demais. “I was an angry youth when I was writing Views / Saw a side of myself that I just never knew”, admite em “Do Not Disturb”, faixa que encerra o excelente More Life lançado este ano. Ele está certo: Views pode ter sido um bom disco, mas completamente desolador em sua visão, mostrando um artista tão acostumado a ver as coisas por cima do ombro que acaba vendo coisas que nem existem. Em outro momento do disco, durante a outro da pesada “Can’t Have Everything”, sua mãe Sandi Graham confirma a existência deste calcanhar de Aquiles: “Essa atitude vai te atrasar na vida”.

More Life soa como Drake deixando as coisas rolarem — liberto das expectativas de terceiros e experimentando com novos sons como se fossem novos vestidos de baile. Muito se falou sobre sua decisão de chamar More Life de uma playlist, mas deixando de lado tais reflexões sobre os tempos modernos, foi uma forma bem esperta de tirar a pressão de cima de uma coleção de faixas sólidas e cheias de participações especiais. Ao longo do disco, ele flerta com grime e diferentes estilos de dance music, danço espaço para Quavo (talvez sem querer) apontar suas hipocrisias em termos de flow, faz uma piada duvidosa com o 11 de setembro e trata cada faixa como um cartão postal daquelas férias que você nunca vai poder bancar.

Nenhuma das canções aqui bombou esse ano e parece que todos deixaram More Life de lado após seu lançamento, mas mesmo assim Drake conseguiu criar um disco de pop vigoroso em menos de um ano depois de ter lançado um disco que aparentemente ninguém curtiu e ainda assim vendeu mais de quatro milhões de cópias. Loucura, não? — Larry Fitzmaurice

De tempos em tempos, a exuberância de um artista que está chegando à vida adulta abrilhanta o mundo do rap. Ele chega falando sobre mudar o mundo com seu talento e como sua música coloca o mundo em que cresceu no epicentro da cultura. Este mesmo artista nos apresenta uma nova cultura. Eles nos apresentam uma nova linguagem que tem origem em suas vizinhanças e grupos. Sua juventude nos empolga, assim como sua proximidade do perigo, infelizmente o ouvinte de música americano médio não olha para fora do país ao buscar esse tipo de personagem, mas ele certamente existe.

O maior exemplo disso é J Hus, londrino que chegou com seu disco de estreia Common Sense. O artista de 21 anos nos fez um favor ao criar um álbum que reúne muito das sonoridades empolgantes ligada à diáspora africana — dancehall, afrobeat, hip hop e grime — de maneira tão fluida que parece que o cara precisa de um gênero novo só dele. Em faixas como “Fisherman” e “Did You See” sua voz profunda reflete um tipo de harmonia mais associada ao afrobeat, mas no conteúdo lírico vem toda as narrativas típicas do rap. “Clartin” tem a energia desenfreada do grime, já “Spirit”, semelhante ao reggae roots, é uma bela declaração de que o valor de um indivíduo reside na superação de dificuldades e não nos seus bens. A faixa argumenta ainda que decisões consideradas imorais não necessariamente definem o caráter de alguém: “No money but we had life, I go hungry, let my brother take my slice/ Ride outs and drive-bys, but deep down they're nice guys”. J Hus é o novo prodígio do rap e Common Sense dá as bases daquela que parece ser uma carreira promissora. — Lawrence Burney

O quarto disco de estúdio de Tyler the Creator, Flower Boy, é representativo de quando o rapper finalmente foi capaz de imprimir em totalidade sua visão: um lugar em que as sementes que ele vinha espalhando por aí em seus últimos discos finalmente floresceram, gerando um álbum completo, colorido. Feito para ser ouvido durante a “hora de ouro” — um período de tempo não especificado pouco antes ou pouco depois do pôr do sol, com um tom alaranjado ardente — trata-se de um álbum centrado no panorama pintado por Tyler em seus últimos quatro álbuns, um lugar de beleza natural e lagos serenos.

Ao passo em que seus trabalhos anteriores tinham certo grau de escuridão, Flower Boy brilha. Não que lhe faltem momentos de maior pesar, sua faixa-destaque “9/11 / Mr Lonely” é uma ode franca à solidão, mas ainda assim a produção do disco se dá em tons de roxo, rosa e branco: uma sonoridade que se reflete no clipe em que diversas versões de Tyler dançam com árvores ao fundo. Há outros sentimentos também — referências à ansiedade profissional em “November” — tudo contrastado pela produção e convidados que mantém o disco centrado na tranquilidade e reflexão, sendo o primeiro álbum redondinho de Tyler. Um salve para o rei da criação, na esperança de que um dia eles finalmente lancem seu longa e seja mesmo dono de um planeta, enchendo-o de árvores, peônias e bicicletas. — Ryan Bassil

Em uma cena do curta Process, material audiovisual que acompanha o disco de estreia homônimo de Sampha, a câmera alterna entre imagens do artista tocando num beco e numa estação de ônibus, numa performance de “Kora Sings” ao piano. Em um primeiro momento, estas locações parecem simples pontos de ligação entre um destino e outro, mas dentro dos limites do vídeo, e para Sampha em especial, representam um limbo tanto figurativo quanto literal. Na letra da música, ele aceita o fato de que tem que deixar passar as memórias físicas de sua mãe enquanto tem esperança de algo a mais para ela no pós-vida: “But if you go away / Please don't disappear… My hands together looking at the stars / I really hope there's angels”. Em sua essência, Process mostra o cantor tentando lidar com o impasse entre luto e aceitação.

Process é um disco cheio de metáforas. A primeira voz que ouvimos ao dar play no álbum é uma gravação de Neil Armstrong durante a missão Apollo 11 à Lua, além disso, Sampha faz referência à parábola de Ícaro em “Plastic 100°C”, um alerta dos perigos de voar muito perto do Sol enquanto reflete sobre sua distância do mundo.

Os cowbells de “Blood On Me” e a divertida dança de cordas em “Kora Sings” elevam a produção a novos e interessantes patamares, mas o que faz este disco tão impactante está entre seus adornos sonoros. Sampha nunca abre mão das batidas emocionais que tenta explorar, lidando com ansiedades triviais e outras mais significantes. Em “Under” ele fala sobre o seminal anime Ghost In The Shell para contar a história de um relacionamento que fez seu espírito paralisar. Em “Timmy’s Prayer”, ele vai fundo na dor ao falar de seus pais, ambos falecidos por conta do câncer: “If heaven's a prison/Then I am your prisoner” Ainda assim, “(No One Knows Me) Like The Piano” soa como a alma deste disco, onde Sampha demonstra um raro momento de paz ao lembrar do amor e conforto da casa de sua mãe.

É isso que temos em Process: um épico intimista das piores horas, dias e anos da vida de Sampha Sisay, mas também uma história dos breves momentos de leveza que nos permitem encarar o que vem adiante. — Jabbari Weekes

O segundo disco de Archy Marshall como King Krule está todo cagado de vômito, sujeira, porra, fuligem, Coca-Cola, restos de cerveja vomitada, aquela gordura de yakissoba fuleiro da esquina com ácido estomacal e um tiquinho de sangue seco. The Ooz é como o próprio Marshal, consumido ao ponto da autodestruição. “Don’t be scared, don’t be scared, don’t be scared / Deface me already / I’m a waste, baby” ele canta em “Slush Puppy”. The Ooz cheira como os solventes, fumaça e perfume escroto em “Logos”, parece a meleca de “Vidual”; seu gosto é de butano e carne. O disco se arrasta em meio à imundície, guitarras arrebentadas e um baixo escroto tropeçando sobre batidas preguiçosas, tudo interrompido por saxofones atonais ao fundo.

Estes são os tipos de obsessões que se desenvolvem a partir da solidão prolongada: observar um lenço sujo de catarro e pensar em todas suas implicações, se preocupar com a cor da própria urina. Marshall tem as manhas de criar vida a partir de texturas tórpidas, seja no hip-hop ou com uma pegada jazz esquisitona. Do ponto de vista lírico, ele sempre estebe sozinho: não há nada de euforia comunal em seu disco de estreia de 2013 6 Feet Beneath the Moon ou em A New Place to Drown de 2015 (lançado sob seu nome de batismo. Em The Ooz porém, ele nem mesmo tira os olhos do chão à sua frente. O disco começa com “Biscuit Town” e seu teclado portentoso: “I seem to sink lower, gazing in the rays of the solar.” On “The Locomotive,” canta King Krule, “I’m alone, I’m alone / In deep isolation”, incapaz de distinguir outras pessoas senão pelos agasalhos que usam. Em “Sublunary”, sobre um fundo de jazz incrível, é como se Krule nem estivesse lá. Em “Half Man Half Shark”, sua súbita e descontrolada espiral descendente é articulada de forma clara: “Simple soft thoughts / Simple soft thoughts become menacing”.

O que brilha mesmo aqui é que tamanhas trevas parecem reais. Falaram muito da duração de The Ooz — 19 faixas em mais de 66 minutos — mas seu andamento muda o suficiente para manter o ouvinte interessado. Lá pela metade, a quase pop “Emergency Blimp” dá espaço para “Czech One” uma quase balada entristecida. Mais adiante, o ruído cerebral de “The Cadet Leaps” serve de introdução à belíssima e psicodélica faixa-título. Marshall quase sempre soa como um alcoólatra em crise, e aqui ele explora novas maneiras de usar esse timbre por meio de falas, sussurros e gritos em “Dum Surfer”, ainda cantando ao longo do jazz esquisitão de “Midnight 01”. (“Why’d you leave me? Because of my depression?” pergunta).

Ao longo de altos e baixos, ele cria seu próprio mundo, por mais aterrorizante e solitário que pareça. Marshall claramente odeia o rótulo de “voz de uma geração” que lhe impingiram após o lançamento de 6 Feet Beneath the Moon. Mas sua atenção ao realismo físico, pensamentos desoladores e surrealismo sonoro o tornam um artista único, quer ele queira ou não. — Alex Robert Ross

“To Pimp a Butterfly tratava do problema” disse Kendrick Lamar à T Magazine em entrevista no começo do ano passado, pouco antes de lançar seu quarto disco de estúdio DAMN. “Estou num momento em que não falo mais do problema”.

O “problema” em questão é o estado dos negros nos EUA, uma comunidade que sofre com brutalidade policial, criminalidade e falta de amor próprio, mas para Kendrick, focar nesses temas acabava atrapalhando todas as bençãos que recaíam sobre ele e o resto da diáspora. “Vivemos em um momento que acabamos por excluir uma grande parte dessa coisa chamada vida”, disse Kendrick durante a mesma entrevista, “Deus”.

DAMN. mostra um Kendrick às voltas com temas ligados aos israelitas negros — que propõem que os negros espalhados pelo mundo sofrem por terem se afastado dos ensinamentos de Deus — para tentar compreender o mundo ao seu redor. Este conflito, servir de exemplo para toda uma comunidade em busca de salvação e ainda ser uma pessoa com desejos humanos como luxúria e amor, dão o tom do disco, em faixas como “Lust” e “Love”. Canções como “Fear” mergulham nessas ambiguidade de cabeça, onde Lamar se compara a Jó, o personagem bíblico que, para provar sua lealdade a Deus, precisava sacrificar tudo que amava. É um puta fardo pra se carregar, mas por vezes é assim que o trauma geracional funciona: ter a certeza de que você não pode ser menos que sobrehumano para merecer qualquer coisa de boa que venha ao seu encontro. Kendrick confirma que ser o melhor rapper vivo não faz esses sentimentos sumirem. “The shock value of my success put bolts in me / All this money, is God playin' a joke on me?” canta.

Deixando de lado as mensagens subjacentes de DAMN., o disco oferece algo que muitos afirmaram To Pimp a Butterfly não ter: acessibilidade. Um álbum com forte influência jazz que oferece um ombro amigo a toda uma geração às vezes pode acabar soando como canção de ninar. Mas DAMN. é cheio de canções para dar um grau no seu ego e que se pode curtir sempre precisar ir muito fundo na interpretação. Faixas como “HUMBLE”, em que Lamar se orgulha de não precisar de drogas pra curtir e “ELEMENT”, em que ele se compromete a superar seus contemporâneos são prova de que neste ponto da carreira, o maior desafio de Kendrick Lamar é superar a si mesmo. — Lawrence Burney

Há uma espécie de solidão em especial que afeta jovens no mundo atual. Ter acesso ilimitado a tudo e todos a qualquer momento muitas vezes serve apenas para ampliar o silêncio, fazendo com que relacionamentos — possíveis, fracassados e passados — pareçam ainda mais confusos, de forma que se sentir culpado pela falta de conexões emocionais é mais comum do que se imagina (se você sofre para criá-las mesmo com todos aos redor a um clique de distância, o problema é com você, certo?). Além do que, fica muito mais fácil fugir de encarar certas coisas, criando um ambiente que pode ser resumido neste tuíte. Ctrl, sendo assim, é uma obra de arte nascida no meio de um campo minado.

Ao longo do álbum, a jovem de 28 anos SZA não enrola, independente do tema. Desejo, vingança, romance, autoimagem e ansiedade se juntam na mais poderosa demonstração de vulnerabilidad desde Blond(e), de Frank Ocean. Mas diferente desse disco, Ctrl não se utiliza de subterfúgios: não há cortina para SZA se esconder, ficando no meio dos holofotes, falando de forma direta. Ela não poupa palavras ao falar de seu histórico sexual e os papeis dos envolvidos, incluindo, especialmente, ela mesma.

O disco começa com um barulho de papel sendo rasgado e amassado, com uma voz dizendo “esse é meu maior medo — perder o controle ou não ter controle, coisas que seriam, sabe... Eu seria fatal”. É uma declaração de intenções clara, ainda que sutil. A narradora poderia estar rasgando qualquer coisa — uma carta recebida, uma carta que não foi enviada — ou então abrindo um envelope — algo documentado ou abrindo a si mesma. De qualquer forma, tal ação é demonstrada de forma decisiva: a narradora escolheu rasgar algo e começar de novo, tomar controle sobre uma coisa descartá-la; elementos externos tornam-se secundários.

Ctrl é tanto uma investigação de quem é SZA quanto um posicionamento. Na faixa inicial “Supermodel” ela canta sobre dormir com um amigo de um ex enquanto vingança. Em “Garden (Say It Like Dat)” ela admite precisar de atenção e afirmação para se sentir bem consigo mesma. Em “Normal Girl” ela deseja ser diferente (“type of girl you take home to your mama”), talvez não como a garota complicada que ela afirma ser em outros momentos no disco. “I really wish I was a normal girl”, vocalizando a insegurança que muitas mulheres engolem ao se sentirem indesejadas ou inconvenientes.

Por mais que hajam incontáveis momentos em que SZA soa confiante, dona de si, Ctrl se destaca ao ela admitir suas fraquezas e falhas. Assim como a destreza com que o disco brinca com R&B, soul e indie de maneira que impede sua categorização, o que o torna único é sua voz, o que o torna belo é sua força. Trata-se de um álbum que soa como se pudesse ter vindo de alguém que refletiu tanto sobre algo que chegou ao ponto da aceitação. Mulheres sofrem duro escrutínio — na vida em geral e como figuras públicas — mas muitas vezes a voz que mais machuca é a nossa. Ouvir SZA passar por tudo isso e não apenas se expondo, mas se aceitando, mesmo ao desejar ser diferente, é essencial e inestimável. — Emma Garland

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A programação especial da quinta-feira do Bananada celebra o rock de garagem

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Além do lineup já divulgado da edição de 20 anos do Bananada, o festival goiano adiciona mais uma programação especial às suas comemorações na quinta-feira, quarto dia de festival. Com bandas como Rios Voadores, Bratislava e Dead Fish, o dia 10 de maio será dedicado a celebrar o rock de garagem e acontecerá num espaço fechado que vai emular para os espectadores a experiência de estar de fato numa garagem.

Além das bandas de rock, em que se incluem Overfuzz e Luneta Mágica, a quinta-feira também contará com apresentações do rapper paulistano Rashid, a cantora Nina Fernandes, e DJ sets da DJ Donna e Marcos Queyroz.

A programação acontece no pátio externo no Passeio das Águias Shopping e sua meia-entrada custa R$ 20 (o evento é gratuito pros compradores dos ingressos Banana Ouro e Banana Prata). Você pode ver mais informações no site do Festival Bananada e comprar ingressos aqui.

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Você pode ser fã de um artista com quem não concorda

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O Kanye West, como antes de todo disco novo que tem lançado desde o My Beaufitul Dark Twisted Fantasy, de 2010, está causando no Twitter novamente. Porém, se há uns anos o lance dele era fazer livestreams de mais de uma hora e twittar sobre garrafas de água num avião, dessa vez o Kanye está investindo num jeito não tão carismático de divulgar seu próximo trabalho (que, segundo ele, será lançado no dia 1º de junho): mostrar seu apoio ao atual presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.

Não é a primeira vez que o rapper declara estar do lado de Trump. Em dezembro de 2016, ele fez uma visita à Trump Tower que levantou as sobrancelhas de todos os que conheciam a visão de Kanye sobre assuntos como racismo, desigualdade social e pobreza. Em 2005, o mesmo Kanye criticou o presidente George W. Bush em rede nacional pela sua resposta ao Furacão Katrina, na frase que se tornou o famoso bordão "George Bush doesn't care about black people" ("George Bush não se importa com negros.")

Com essas declarações de Kanye surgindo à tona em tempo recorde, a internet se divide como o Mar Vermelho para tomar uma posição sobre os posicionamentos polêmicos do rapper. O mais comum deles sendo, talvez, o de "como vocês continuam sendo fãs desse cara?" Posicionamento este que surge até dos próprios fãs — que, como reportado, não ficaram nada felizes com os tweets do Kanye.

Mas vamos ser claros aqui. A minha opinião sobre essa questão não é imparcial. Eu sou fã do Kanye West desde os meus 15 anos. Eu acho que todos os álbuns dele são alguns dos melhores das respectivas décadas em que foram lançados. Eu considero ele um dos maiores artistas vivos. Eu tenho a capa do 808's and Heartbreak tatuada no meu braço esquerdo. Dito tudo isso, eu não sou direita. E eu certamente não concordo que o Kanye West apoie um político machista, racista e imperialista como o Donald Trump.

Mas aí é que está: será que eu realmente tenho que concordar?

Um tempo atrás, eu escrevi um texto sobre a polêmica da música "Surubinha de Leve", em que eu formulava uma máxima com a qual ainda concordo com todo o meu coração: as mulheres consumidoras de cultura pop, em geral, têm de balancear o dilema de ter que lidar com o machismo tido como "aceitável" ou "menos agressivo." A essa sentença eu adicionaria que qualquer pessoa ao redor do globo que consome cultura, pop ou não, têm de lidar com outra grande questão discutida extensamente ao longo dos últimos anos: artistas são pessoas.

Pessoas com valores, morais, culturas e criações completamente diferentes das suas. Pessoas que nasceram em outros países, foram criadas de outras maneiras e passaram por experiências que você, talvez, nunca chegue a saber ou compreender. Pessoas com quem se você tivesse que trocar uma ideia no bar, você talvez preferisse ir embora. Pessoas muitas vezes criminosas, assassinas.

Pense de quantos artistas na sua biblioteca do Spotify você nunca ouviu alguma declaração pública ou não faz ideia de suas posições políticas e ideológicas. Isso acontece porque, no fim, o consumo da arte não é um encontro pessoal e profundo com as experiências de um artista em si, e sim com a estetização das mesmas — como aquele artista pega todas aquelas experiências das quais eu nunca ouvi falar, opiniões com as quais eu posso não concordar, e as transforma numa obra de arte que eu aprecio profundamente.

E, claro, o sentimento de identificação pode ser — e é — muito importante no consumo da arte. Talvez principalmente no rap, e talvez principalmente de pessoas negras com artistas negros, ou de mulheres com artistas mulheres. Mas talvez insistir no consumo da arte somente de pessoas com quem nos identificamos em níveis muito pessoais também coloque em xeque o objetivo da fruição da arte (e aqui eu incluo não só a música, mas também o cinema, os games, as artes visuais, e qualquer outro tipo de arte); que, afinal, não foi feita apenas para agradar ou nos segurar na nossa zona de conforto, mas justamente para incomodar e nos tirar das caixinhas em que nós nos colocamos tão frequentemente e, por vezes, sem pensar muito a respeito.

O próprio Kanye tratou desse assunto em alguns tweets:

"Sempre que alguém me diz a palavra 'fã',é de um jeito super manipulador. É tipo 'não diga ou faça isso por causa dos seus fãs.' Meus fãs são fãs deles mesmos."

"E todo fã meu quer que Ye seja Ye mesmo quando eles não concordam, porque eu represento o fato de que eles podem ser eles mesmos mesmo quando as pessoas não concordam com eles."

Kanye pode estar falando besteira quando comenta seu apoio de Trump, mas com esses tweets ele pode estar certo. Ser fã de um artista que dissemina opiniões com as quais você não concorda não necessariamente significa disseminar essas mesmas opiniões, a não ser que você mesmo tome essa decisão. E, por fim, consumir arte que não representa seus posicionamentos políticos e ideológicos quer dizer, no máximo, que você está aberto o bastante para passar por uma experiência estética que esteja fora da sua bolha.

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Marielle Gigante

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Enquanto as autoridades desvendam os responsáveis pela execução da vereadora Marielle Franco a passos de tartaruga, a sociedade civil se manifesta. Na noite de quinta (26), uma faixa com os dizeres “Marielle Gigante” foi estendida nos arcos da Lapa, convocando pro evento homônimo no Circo Voador, com apresentações de Heavy Baile, Filipe Ret, Flora Matos, BK, Planet Hemp, Bloco Apafunk e vários outros poetas e rappers periféricos.

A verba arrecadada foi destinada a quatro organizações, o Coletivo Maré Vive, o Coletivo Fala Akari, A Casa das Pretas e o Pré Vestibular Comunitário do Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré. Mesmo com shows espetaculares, o clima passou longe de ser apenas festa, resistência e denúncia pontuaram todos os shows, chegando ao ápice com a intervenção das Mães de Manguinhos durante o show do Planet Hemp.

Conversamos com alguns dos artistas e ativistas presentes no evento, questionando como é sobreviver numa cidade que assassina uma vereadora por defender direitos humanos.

Faixa do festival em homenagem à vereadora.
Marcelo D2 no palco de Marielle Gigante.

Marcelo D2

"Essa violência não é de agora né? Isso é de quinhentos anos, é triste ver. Em 2018 a gente ainda ter que fazer um evento como este é triste, mas é obrigatório. A gente tem que estar aqui, resistindo, falando, fazendo. Me senti honrado de estar aqui com uma porrada de amigo, 25 anos depois, vivo, contrariando as estatísticas. Somos a banda que fechou a parada. Poder botar todas aquelas mulheres lindas pra falar [no palco], mães filhas, mulheres ativas, foi especial pra caralho. Eu tou agora naquele momento exausto mas com aquela sensação de que vale a pena, vale a pena estar aqui, vale a pena resistir."

Neusa, da Casa das Pretas.

Neusa, Casa das Pretas

"Matar gente eles sempre mataram, na época do Samba, no Estácio sempre se matou muita gente, na Praça Onze, na Mangueira, na Portela. Agora, estão denunciando com a força deles, cada tempo no seu tempo, mas nós já morremos muito e sempre morremos. A galera do rap sempre chegou junto, sempre tiveram em todas as discussões contemporâneas, eles trabalham todas essas questões há muito tempo. Eles estão em determinados espaços que a gente às vezes não conhece."

B. Negão no festival.

B. Negão

"A gente foi convocado pra esse show. Quando rolou o lance da Marielle foi um dia péssimo pro Rio de Janeiro. Não precisa nem fazer essa pergunta, ‘Quem matou Marielle’. A gente sabe, eles achavam que a parada ia ficar por ali, que essa politica do medo ia dar certo, e na verdade a parada foi ao contrário pra eles, ficou gigante, porque Marielle é gigante. A felicidade da gente no meio de toda essa dor e tristeza é estar junto com a galera que ficou. Tem muita gente chegando de vários lugares diferentes, até de outros lugares de onde normalmente não chegariam, chegando pra somar. Basicamente essa que é a onda."

O rapper BK.

BK

"O que que tá acontecendo? Ao mesmo tempo que a gente fala muita coisa, a gente vive num mundo que se certos poderes não gostarem do que a gente fala. A gente morre, é um fato tá ligado? Tanto que morre vereadora, também morre o Coronel Cerqueira, Coronel negro da PM que lutava pelos direitos humanos, ele foi assassinado. O Rio de Janeiro é uma cidade que não quer que você pense. Ela é dos barões, dos ricos, dos brancos. Uma cidade que te faz ter medo do que você é, que te faz odiar o que você é, então a gente vai se virando com as armas que a gente tem que é o rap, um pouco da consciência que a gente aprendeu na rua e na vida vendo as coisas."

Marcelo Yuka.

Marcelo Yuka

"Tá difícil viver, mas eu ainda ouso pensar no que virá depois disso. Eu sou poeta, eu sou artista, então eu me alimento de poesia. O engenheiro pode trabalhar 14 horas por dia, eu trabalho 24 horas, eu nunca deixo de trabalhar. Quando eu estou dormindo, eu trabalho, porque eu uso o sonho como matéria prima. Quando a gente coloca os olhos sobre o que será depois disso, a gente pode botar o corpo e levar os outros. Ae a gente vive só a guerra, só a batalha, só o conflito, eu não sei se a gente pode pensar realmente em alguma coisa depois disso."

Josinaldo, organizador do canal de mídia independente Maré Vive.

Josinaldo, Maré Vive

"O Circo Voador é um local de resistência, desde sua história no Arpoado e a vinda pra Lapa, que é este lugar boêmio e que já foi muito criminalizado. Mas hoje não é pra ser lindo, não é mais uma noite pra tomar uma cerveja. É um ato politico, então quando a gente estica uma bandeira com o rosto da Marielle nos arcos da Lapa, não é pra divulgar o evento em si, é pra marcar aqui que a gente vai cobrar. A gente tá cobrando que os assassinos dela sejam presos e julgados, por essa justiça que a gente não acredita muito, mas é uma missão que a gente tem."

Tchelinho, Heavy Baile

"Para gente é uma grande satisfação participar deste evento, a gente como artista é o mínimo que pode fazer. Eu acho que as autoridades se prevalecem muito do poder que eles tem sobre o cidadão. Cada um contribui com o que tem para a sociedade, mas se prevalecer de uma autoridade que lhe foi dada por um estado, aí fica chato né? Porque a gente não pode fazer nada, senão a gente morre."

Felipe Ret também participou de Marielle Gigante.

Filipe Ret

"Quando eu fiquei sabendo do assassinato dos meninos de Maricá eu fiquei muito, muito triste, igual no caso da Marielle, e na hora eu já quis entrar em contato com os menor de lá, pra ver se eu conseguia ir lá, demonstrar apoio. O rap tem de fazer sua parte, por mais que às vezes a gente cante umas ideias que são pra juventude mesmo, tem muita linha ali que é pra melhorar a sabedoria. Essa molecada que tá aparecendo deve fazer o mesmo, demonstrar que tá sempre ligado nas coisas sociais, que também se preocupa."

Buba Aguiar, do coletivo Fala Akari.

Buba Aguiar, Fala Akari

"Todo dia em que a gente acorda e não morre, é resistência, é luta, é cor. Porém também tem um sofrimento, a gente vê nossos irmãos e nossos filhos serem assassinados pelo Estado — isso quando a gente mesmo não padece num hospital público — então é bem doloroso. O que aconteceu com a Marielle é um recado bem explicito, principalmente pra gente que além de ser mulher negra, favelada e periférica, ainda se coloca numa posição de quem denuncia os desmandos do Estado."

Aurea Carolina, Vereadora pelo PSOL em Belo Horizonte

"Essa desgraça é um acontecimento que extrapola demais as fronteiras do Rio, é uma acontecimento de repercussão na América latina, em vários países do mundo, porque fala sobre um momento de aprofundamento da violência estatal contra as maiorias sociais. Nós, mulheres negras, periféricas. Toda a repercussão que houve após a execução da Marielle mostra que as pessoas estão a ponto de destampar essa violência também, se dar conta do que está acontecendo e talvez criar novas formas de agir.

É um marco de mudança na forma de resistência, então eu me sinto assim como Marielle também, como uma lutadora que ajuda a puxar na linha de frente essas agendas tão subterrâneas por tanto tempo. A gente tá vivendo um momento histórico em que isso está dando uma virada e esses donos do poder que premeditaram a morte da Marielle estão se sentindo incomodados. A nossa presença está gerando neles também uma tentativa de repressão, de silenciamento que as pessoas estão percebendo. As pessoas entenderam que ela estava incomodando gente muito graúda, muito poderosa.

Mas não silenciaram Marielle, teve um efeito colateral pra eles. Ao invés de silenciados, a gente está mais vibrantes do que nunca."

Planet Hemp encerrou o festival chamando as Mães de Manguinhos e as famílias de outras vítimas da violência no Rio de Janeiro.

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Ozzy me ensinou a fazer o que você ama, diz Zakk Wylde

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“Apenas toque o que você ama.” Essa é a principal lição que Zakk Wylde diz ter aprendido com Ozzy Osbourne, a quem chama carinhosamente de “boss” (“chefe”, em inglês), ao longo dos muitos anos de parceria. “O Ozzy ama o que ele faz e ele ama música. Essa é a chave principal para tudo na vida. Ame o que você está fazendo”, afirma o músico norte-americano, que volta ao Brasil nesta semana para uma série de shows com o Black Label Society.

Quando despontou para o mundo com o clássico No More Tears (1991), o seu segundo – e mais bem-sucedido - disco com Ozzy, em uma época em que ainda não ostentava uma generosa barba que virou sua marca registrada, Zakk parecia, pelo menos à primeira vista, “apenas” mais um ótimo guitarrista a tocar com o eterno vocalista do Black Sabbath, que já tinha contado com nomes como Randy Rhoads e Jake E. Lee em sua banda solo.

No entanto, com o passar do tempo, o músico mostrou uma versatilidade que talvez pouca gente esperasse lá no final dos anos 1980, quando iniciou seu trabalho com Ozzy. Para além da sua banda principal, o Black Label Society, coleciona uma variedade de parcerias e projetos, com destaque para Book of Shadows e Pride & Glory, em que revelou possuir tanto talento como compositor e vocalista quanto já tinha mostrado com a sua icônica Gibson Les Paul.

“Gosto tanto de ouvir o Eagles e coisas mais melódicas, o Greg Almann sentado com um violão, e o Elton John, quanto adoro ouvir coisas mais calcadas em riffs, seja o Cream, o Sabbath ou o Zeppelin. Então é basicamente o meu amor por coisas mais suaves e também pelos riffs”, afirma Zakk ao ser perguntado sobre essas “andanças” musicais na carreira entre sons mais suaves, com violão, voz e piano, e os muitos riffs e solos marcantes.

Não por acaso, a lista dos três discos que mudaram a sua vida traz alguns dos artistas citados acima. “Provavelmente seria o We Sold Our Souls for Rock’n Roll (coletânea de 1975), do Black Sabbath. Acho que também o Greatest Hits (outra coletânea, mas de 1974), do Elton John, e o Live (disco ao vivo de 1978), do Mahogany Rush.

E é um pouco de tudo isso que Zakk traz ao Brasil com o Black Label Society, cujo disco mais recente, Grimmest Hits (2018), o décimo do grupo, pinta um bom retrato do fôlego e do já mencionado alcance do multitalentoso músico. Está tudo lá: os riffs sabáticos e cativantes, presentes em faixas como “Trampled Down Below” e “Seasons of Falter”, que abrem o disco, assim como a busca pela suavidade, alcançada com louvor nas bonitas “Trampled Down Below” e “Seasons of Falter”.

“As pessoas me falavam ‘Zakk...Quer dizer, Grimmest Hits. Você não acha que as pessoas vão ficar confusas com esse álbum pensando que talvez seja uma coletânea (greatest hits, em inglês)?’ E pensava: não sei, acho que não. Para ter um disco de greatest hits, você precisa ter hits e eles precisam ser ótimos. E nós não temos nada disso. Nós não temos nenhum hit e nenhum deles é ótimo. Então ninguém vai ficar confuso desta maneira (risos)”, relembra de forma bem-humorada o guitarrista, que compara o processo de composição com um trabalho de escavação – “É apenas uma questão de escavar até achar algo de que goste”.

Com 52 anos recém-completados, Zakk, que se diz abençoado e grato por todas as coisas na carreira, não parece dar sinais de desacelerar o ritmo. Ao ser perguntado sobre o seu álbum favorito com o BLS em cerca de 20 anos de carreira, a resposta aponta para o futuro. “Acho que o meu disco favorito (com o BLS) é o que ainda vamos gravar. Obviamente, estou muito feliz...Quer dizer, acho que todo mundo fica feliz com o álbum que acabou de fazer. Agora que o nosso último disco já saiu há algum tempo, obviamente estou ansioso para trabalhar no próximo.”

Black Label Society no Brasil
Show no RJ – 05/04
Show em SP – 06/04
Show em BH – 07/04

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Do Bonde do Putão à Câmara dos Deputados: tá tudo dominado

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"Tchu tchuca, vem aqui com seu tigrão, vou te jogar na cama e te dar muita pressão." A estrofe da canção "Tchu tchuca" que foi hit no ano 2000, virou um trend depois de ser citada ontem pelo deputado federal Zeca Dirceu na Câmara durante um debate sobre a Reforma da Previdência. A canção de Leandro Dionísio, o Leandrinho do Bonde do Tigrão, foi originalmente destinada a alguém bem mais inocente que Paulo Guedes. "Escrevi essa música para minha sobrinha quando ela era pequena, hoje ela tem 24 anos, na época eu chamava ela de tchu tchuquinha. A música sempre foi feita para homenagear e exaltar as mulheres." Segundo o MC, Tigrão na gíria do funk, "é aquele cara pegador, da balada, que não namora ninguém né? O cara que representa."

O grupo causou furor nos bailes dos anos 90 quando se chamava Bonde dos Putões

O grupo, originário da Cidade de Deus, causou furor entre a mulherada dos bailes funks nos anos 90 com as danças sensuais performadas por Leandro e os outros colegas de banda, na época que ainda se chamava Bonde dos Putões. Em 1999, para ganhar a rádio, a TV e o Brasil todo por sugestão do DJ Marlboro a banda resolveu mudar de nome. "Ficou Bonde do Tigrão porque tinha um componente que ganhou de uma ex-namorada uma sunga de sex shop. A frente era um desenho de tigre, e na frente não tinha forro, ai ele foi botou forro e foi pra praia com essa sunga e começou a ficar conhecido como Tigrão.” Para completar, o nome podia substituir todas as vezes que a palavra putão era citada no repertório do grupo, sem afetar as rimas. "Era Gustavo o nome dele, mas ele saiu da banda e hoje em dia ele é pastor pra você ter noção."

A banda lançou ano passado no seu canal de youtube o DVD "O Baile todo", um showzaço com grande participação do público gravado em São Carlos, para um público de 17 mil pessoas numa festa universitária chamada Tusca. Segundo o escritório da banda, 80% da agenda deles é hoje voltada para o público universitário. O próximo lançamento será o clipe de "Pique Baile de Favela", com uma sonoridade mais atual de 150 BPM.


Assista ao nosso documentário sobre o 150 BPM:



Integrando o repertório de herdeiros políticos ou batendo forte entre estudantes do interior paulistano, o Bonde do Tigrão é um clássico. Apesar de um tanto fora dos holofotes - até o evento político, ao menos, Leandro fica feliz do momento em que o funk está vivendo. "O funk tem participado de vários eventos legais, é hit. O Dennis DJ é um cara do funk que toca nos grandes festivais, depois de Alok é a segunda referência top de DJ. Entre outros, Ludmilla é funkeira, ela canta funk. E é um marco." Ele lamenta, no entanto, que ainda assim o gênero siga sofrendo: "Preconceito sempre vai existir. Ainda mais quando é uma galera que sai da comunidade, muitas vezes não sabe se expressar direito, usa muita gíria. E as pessoas ainda associam muito o funk ao sexo ou ao crime. E o funk tem muitos lados. Tem uma galera que toca proibidão, tem galera que canta funk romântico, outra galera um funk mais pornográfico".

Ficou Bonde do Tigrão porque tinha um componente que ganhou de uma ex-namorada uma sunga de tigre de sex shop. Hoje ele é pastor.

Questionado a respeito da condenação do DJ Rennan da Penha, Leandro diz que não o conhece pessoalmente, mas acompanha e admira seu trabalho. "Pelo que eu sei é um moleque do bem, é trabalhador. Mas é um cara da comunidade, que toca na comunidade, e quando você mora na comunidade não tem como não ficar perto de bandidos ou traficantes, isso faz parte do dia a dia das pessoas. Eu fui nascido e criado na Cidade de Deus e a todo momento eu via, sempre convivi com esse pessoal. E esse pessoal curte baile e a sociedade sabe disso, não é segredo pra ninguém. Ele tá sendo injustiçado por tocar em comunidade, Rennan da Penha não é bandido, ele é DJ."

Sobre a polêmica envolvendo Zeca Dirceu e Paulo Guedes, o grupo publicou uma nota oficial no Instagram afirmando que a figura da tchutchuca foi tirada de contexto pelo deputado e que "a música foi criada como uma brincadeira elogiando as mulheres". A nota ainda dá um tapinha na mão de Dirceu, dizendo que o político deveria respeitar Guedes que "além de ser uma autoridade é um senhor de idade e merece respeito".

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A vivência de Abebe e seus amigos de década virou projeção no show do BK'

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Aos 20 anos, antes de se tornar BK', o rapper Abebe Bikila fazia parte de um coletivo audiovisual formado durante um projeto social no centro do Rio de Janeiro. Ainda começando a se aventurar no rap, ele fazia experimentações musicais enquanto os outros membros do grupo – incluindo Calebe Gomes, seu irmão – conduziam experimentos de filme, animação e edição de vídeo.

Neste domingo (8), no Lollapalooza Brasil, o rapper fez uma grande celebração de seu último disco, Gigantes, e contou com a ajuda de alguns amigos e conhecidos para tal. Além das participações de Drik Barbosa, Akira Presidente, Juyé e Luccas Carlos durante a apresentação, BK' também convidou coletivo BLSFM (lê-se Blasfêmia) para voltar aos tempos de sua formação, no centro do Rio de Janeiro, e criar projeções em LED especialmente para o show. A ideia do show era trazer a vivência deles do que é ser jovem, carioca e de comunidade.

A ideia da parceria foi de Calebe, que trabalha com o irmão desde o começo de sua carreira e foi responsável por dirigir os clipes de Gigantes. “Eu queria puxar eles pra fazer parte disso, porque é uma galera que eu sei que manda bem e, além de tudo isso, conhece da nossa vivência”, explica.

Para Caio Jonathan, 27, o rap é um gênero que enaltece não só o artista principal, como todos os outros que passaram pela trajetória dele, e esse trampo foi a consolidação dessa ideia. “Todo mundo que ele conhece, ele quer que cresça junto. É o rap que possibilita isso, então é sobre você crescer e não esquecer de onde veio.”

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Show do BK' no Lollapalooza Brasil com projeções do coletivo BLSFM. Fotos cortesia do artista. Montagem por Vinicius Trigo.

Já desde o Castelos & Ruínas, cuja capa é uma foto do fotógrafo carioca Wilmore Oliveira, BK' mostra ser um artista que se importa com o aspecto visual de sua obra e seus vizinhos de vida. O rapper vem, desde então, intensificando esse aspecto e deixou isso claro com Gigantes: a capa do disco e de "Correria", seu primeiro single, são pinturas do Maxwell Alexandre, cuja pintura inspirada pela canção "Quadros", Éramos as cinzas, agora somos o fogo, faz parte do acervo oficial do MASP. A trilogia de clipes "Correria", "Deus do Furdunço" e "Julius" também são trabalhados bem pensados e produzidos, dirigidos por Ronaldo Land e Calebe.

Quando falamos em estrutura de shows ao vivo, ainda são poucos os rappers no Brasil que pensam conceitualmente em suas apresentações e as elaboram – seja num nível Travis Scott, conhecido por seus shows pirotécnicos e megaproduzidos, seja num nível do próprio Kendrick, que com apenas algumas projeções e interludes consegue transformar sua apresentação num filme de kung fu. Um bom exemplo pioneiro por aqui é o Don L que, no show de estreia de Roteiro pra Ainouz, Vol. 3 em janeiro do ano passado, contou com uma estrutura de palco distópica criada por Camila Schmidt.

"É muito importante enaltecer essas partes que estão mais de segundo ou, às vezes, terceiro plano", comenta Robson. "Tem que botar a cara, tem que falar, tem que investir. O BK' reconheceu isso e nós tivemos uma oportunidade de buscar."


Assista BK' respondendo ao nosso Questionário Noisey da Vida:



O resultado foram animações criadas com base nas interpretações pessoais dos membros, mas que não deixavam de lado os contextos das músicas sobre as quais foram criadas, e que foram projetadas num telão atrás do palco. "As músicas do BK' sempre têm um conceito por trás, então foi o casamento perfeito. Estávamos organizando ideias pra tentar passar a imagem da música da melhor forma pro público", explica Robson Amaro, 27, um dos membros do coletivo.

Já BK', por si só, tem carisma o bastante pra preencher todo o Autódromo de Interlagos e mostrou isso desde os primeiros momentos do show de ontem: durante a apresentação, ele desmascarou o Djonga, que estava "disfarçado" com o moletom por cima da cabeça perto das grades do palco, e prometeu tomar uma cerveja com os fãs assim que o show acabasse.

Pelo tamanho do palco e a energia do rapper e daqueles que subiram para se apresentar com ele, é possível que algumas animações tenham passados despercebidas aos olhos dos espectadores mais desatentos, mas elas acompanharam, com um belo sincronismo de ideias, todo o set de BK'.

Algumas eram um tanto literais, como silhuetas de pessoas e animais correndo durante "Correria" e mosaicos de corações durante "Planos", a lovesong com a participação de Luccas Carlos; algumas, como as luzes piscantes de "Jovens", lidavam um pouco mais com a abstração e as metáforas contidas nas letras do rapper.

Era só o começo do domingo no Lollapalooza quando ele subiu no palco, mas uma galera já se amontoava para assistir o rapper – e, quem sabe, ficar até mais tarde pra pegar um bom lugar para ver o Kendrick Lamar, última atração da noite no palco principal.

Tal qual o próprio Djonga mostrou no mês passado com seu disco Ladrão, BK’ mostrou na prática no palco de um dos maiores festivais nacionais. Colocando pretos pra fazer dinheiro, o rapper usou do espaço conquistado pra recuperar uma história de raiz e, de quebra, mostrar a sua visão sobre o que o rap nacional pode ser - ao menos no palco. BK' viu a oportunidade de resgatar uma parte de sua história para levar nos lugares em que hoje ocupa. Em um festival direcionado para um público elitizado e de maioria branca, trazer amigos de uma década para projetar suas artes consolida o que o rap quer significar.

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Rica Pancita analisa os lançamentos da sexta #115

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Fala turminha,

Vou resumir a introdução para tar informando que a playlist está de volta, mais do que nunca. Se não seguia, então segue agora. Mas se não quiser tudo bem também, tá no direito.

De resto, vamo ficar ligadinhos & antenadinhos nos lançamentos dessa semana cujo qual eu já ouvi antes, aí cê já ouve meio sabendo o que pode estar te esperando.

Após a introdução menos criativa de todas, vamos pras músicas.

----AS TOP DA SEMANA----

The Chemical Brothers - No Geography

Um #comeback tão bom quanto o Tour de France Soundtrack do Kraftwerk. Nesse nível. O bloco inicial com 3 faixas mixadaças dão uma boa empolgada. Aí vem “Got To Keep On” esquemão 2000’s bem boa, um bloquinho viajandão na droga, e termina com o bloquinho fritadão na droga. Disco bom bem bom.

GFOTY - If You Think I’m a Bitch, You Should Meet GFOTY

GFOTY e PC Music classicos. Batida grave distorcidona, tecladinhos agudos, melodia 90 total, incluíndo o tecnobrega-PC Music, “Cool”. EP top.

----AS BOA DA SEMANA----

MC Rebecca - “Sento com Talento”

Funk que não é de todo mal, base muito #clean, segurando praticamente na batida com uns toquinho de piano. O vocal da Rebecca é muito carismática, mas ela já fez coisa melhor. Essa aqui é boazinha.

O Terno - “Pegando Leve”

Começou muito bem de me empolgar “carai essa música”. Mas aí tem um bloquinho no meio que fuén, dá uma caída. Depois volta a ficar legal. Boa música, podia não ter o meinho, ia gostar mais. Mas ok também.

Tame Impala - “Borderline”
Eu não consegui definir se achei esse single melhor ou pior que o anterior, “Patience”. De qualquer forma ainda não é algo que me anima a querer ouvir mais vezes, mas ao menos estou vendo com bons olhos esses singles Tame Impala Discoteque. Ao menos pegaram mais leve no flanger, finalmente. Boa música.

Boogarins - “Invenção”

Vibe bem da maneirinha, Tame Impala Bossa Nova. Se Tame Impala Bossa Nova é uma crítica ou um elogio aí vai depender de você que tá lendo. Acho que nem devo ser o primeiro a comentar isso de alguma coisa que a banda lançou. Enfim, é boa tal qual o Tame Impala.

Tainá Costa - “Bumbum Nervosin”

Bregafunk que tá mais pro brega que pro outro. O que até prefiro, quanto mais forrózera for, melhor pra mim. Ainda assim é uma faixa boa, porém com potencial de melhora para as próximas que vierem.

Broken Social Scene - Let’s Try The After Vol. 2

A que eu realmente gostei mais foi a que já havia sido lançada como single, “Can’t Find My Heart”. As outras são uns indie rock que acredito que vá agradar quem curte mesmo um indie rock. Eu já acho meio bobinho o som. Mas vá lá, é boazinha, pode ficar rolando numa playlist que não vai me incomodar não.

Wesley Safadão - “Igual Ela Só Uma”

Boa. Forrózin suingado, esquema padrão mas ainda bem que é esquema padrão. Boa boa.

Black Alien - Abaixo de Zero: Hello Hell

Um bom disco, produção bem feitinho, umas bases legais, batida ok. Som mais de década passada, o que até prefiro. Gostei bem de “Área 51” e aí vai indo legalzinho até “Au Revoir”. No bloquinho final dá uma queda boa. Ou pode ser que eu já tava cansando do disco, pode acontecer também. Mas no somatório total fica um disco bom, sim.

Lô Borges - Rio da Lua

Levei meio que café-com-leite porque né, todo um histórico por trás. Mas vamo lá… Tem umas músicas com melodias muito da bem feitinha, como “Rio da Lua” e “Flecha Certeira”, mas boa parte num tá muito da inspirada, não. Mas ok também. A voz cansadíssima de tudo. Mas ok também. Porque é o Lô Borges. Então o disco é bom, porque é dele.

BTS - Map Of The Soul: Persona

A impressão é que quanto mais eles se dedicam pro ocidente (E.U.A.), mais eles perdem a “identidade”. Ou sei lá, algo que diferencie do que ainda sobreviveu das boy band americana, como o Prettymuch. Aí a maior parte do disco fica um pop EDM bem manjadona, só que com umas parte em coreano. É um popzinho muito do bonitinho, mas não me interessou muito não. Mas é bom.

----AS QUE NÃO TÃO BOAS DA SEMANA----

Solange Almeida - “Cada Preparo Conta”

Muito provavelmente eu acabei de ouvir um jingle comercial, que a Solanja lançou como se fosse single, não fui pesquisar. Como single é um sertanejo muito ruim. Como jingle de propaganda é um sertanejo muito ruim, porém compreensível. Em resumo: muito ruim.

Odair José - “Fora da Tela”

Lá vem o Odair “os jovem me acha cult” José com o rockinho de crítica social. Posso até nomear os culpado disso mas vou ficar de boa. Já caí no “meu, a ópera rock do Odair meu”. Enfim, blues rock bobildo e curtíssimo pra um blues rock. Fraco fraco.

Kaytranada - “Dysfunctional”

Nhé. Loungezinho de deixar rolando aí. Num incomoda, num agrada, nada acontece. Okzinha.


"Beneath the Remains": 30 anos do grande salto do Sepultura e do metal brasileiro

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Quando Beneath the Remains foi lançado, em abril de 1989, talvez ainda não fosse possível ter uma dimensão real da sua importância. Gravado no final do ano anterior no Rio de Janeiro, o terceiro longa duração do Sepultura, e o segundo com a chamada “formação clássica”, com Max Cavalera, Iggor Cavalera, Andreas Kisser e Paulo Júnior, é certamente um dos discos mais importantes do metal brasileiro. O álbum marcou uma série de “primeiras vezes” para a banda, e consequentemente impulsionou a música pesada feita por aqui para níveis até então nunca vistos.

Entre outras coisas, Beneath the Remains foi o primeiro disco do Sepultura a sair pela Roadrunner e o primeiro feito com um produtor especializado (Scott Burns), além de ter rendido o primeiro videoclipe (para “Inner Self”), e as primeiras turnês internacionais, na Europa, na América do Norte e no México – quando aconteceu o primeiro encontro do Sepultura com o Lemmy Kilmister, do Motörhead. Como se isso não fosse o bastante, Beneath the Remains também abriu as portas para a trinca Arise (1991), Chaos AD (1993) e Roots (1996), lançada nos anos seguintes, e para outros clássicos nacionais que saíram ainda em 1989, como Brasil, do Ratos de Porão, e Theatre of Fate, do Viper.

Para relembrar as histórias e a importância do álbum, incluindo a “polêmica” sobre a capa, que originalmente deveria ter sido um outro desenho de Michael Wheelan, as gravações de madrugada no Nas Nuvens, no RJ, a produção do Scott Burns e as primeiras turnês fora do Brasil, entre outras muitas coisas, conversamos com os quatro responsáveis por Beneath the Remains e também com músicos do Brasil e do mundo que foram marcados e/ou influenciados de alguma forma por essa verdadeira obra-prima do metal.

Evolução da banda na época

Max Cavalera (Soulfly, Cavalera Conspiracy, ex-Sepultura)*: Quando a gente fez esses discos ( Beneath the Remains e Arise), a gente tava só pensando em como que dava para tentar melhorar musicalmente e tocar melhor. Acho que o primeiro passo que a gente fez nesse lance foi o Schizophrenia (1987), que já mostrou uma musicalidade bem maior do que o Morbid Visions (1986) - apesar de eu ser bastante fã do Morbid Visions, que eu acho que é aqueles black metal cru, que eu acho bem legal e escuto até hoje. Mas a gente sentiu que a gente podia fazer mais, que dava para ir além. Então quando a gente recebeu o convite, e eu fui para os EUA e conseguimos o contrato (com a Roadrunner), aí a gente sentiu a seriedade da coisa e viu que tinha uma possibilidade disso aí ser de verdade, de a gente virar uma banda mesmo.

Andreas Kisser (Sepultura, De La Tierra): Quando eu entrei para a banda, em 1987, se você escutar o Bestial Devastation (1985) e o Morbid Visions e o Schizophrenia, eles são completamente diferentes. Eu trouxe muita influência do heavy metal tradicional, aquela coisa de querer fazer solo, de fazer umas partes um pouco mais trabalhadas, a guitarra limpa.

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A banda em 1989 na época do lançamento do álbum. Foto: Divulgação.

Paulo Junior (Sepultura): Acho que era a coisa que a gente queria fazer desde moleque. E o Schizophrenia foi um disco importante, né? Foi a parte que o Andreas entrou na banda, foi mais um autoconhecimento. E, apesar de a gente não ter tido muitas chances de tocar ao vivo, acho que projetou e inspirou o trabalho para o Beneath the Remains. E aí (com o Beneath) a gente já teve um contrato assinado, então a gente já teve um produtor com experiência maior para ajudar na parte de produção, timbre e finalização das composições. Então a coisa ficou mais séria, na verdade. Cada disco tem a sua importância, é um degrau que foi subido na carreira da banda.

Andreas Kisser: Foi daí que a gente começou realmente a aprender um com o outro. Porque eu era mais do heavy metal e comecei a aprender mais sobre o hardcore, sobre o punk, sobre o death metal, aquela coisa mais crua. O jeito que eles faziam música era uma coisa muito peculiar, muito única. Então eu aprendi muito com eles e eles aprenderam muito comigo.


Gravação no Nas Nuvens

Max Cavalera: Foi um disco gravado de noite no Nas Nuvens, que acho que era o melhor estúdio do Brasil, um dos mais famosos aqui - tantos discos bons foram feitos lá, Titãs, Legião, Paralamas. E a gente só tinha como gravar à noite, tinha uma banda de pop gravando de dia. Então as nossas sessões eram da meia-noite às sete da manhã. E eu nunca tinha feito um disco assim, noturno. Acho que tem um lance meio louco nessa gravação noturna e que acabou saindo no disco (risos). O disco acabou ficando até mais raivoso por causa disso, é um disco estranho, um disco noturno mesmo.

Paulo Junior: Esse era o horário que a gente conseguiu, porque o Nas Nuvens era um dos principais estúdios do Brasil na época. Foi o estúdio que o Scott Burns escolheu pela demanda do equipamento e tal. E esse horário que a gente fazia era a entressafra das gravações do Nas Nuvens. Então financeiramente falando também era o mais plausível na época. Foi toda uma combinação de valores. Tanto que depois, com o sucesso do Beneath, a gente conseguiu ir para o estúdio com o Scott Burns para fazer uma coisa com mais tempo, mais produzida, que acabou sendo o Arise.

Iggor Cavalera (Cavalera Conspiracy, Mixhell, Petbrick, ex-Sepultura): O Nas Nuvens era o estúdio do Liminha, do Mutantes. Então foi aquela coisa, a gente já tava num estúdio bem mais legal do que os que a gente gravava antes, que era em um estúdio onde meio que os caras gravavam sertanejo e querer distorcer tudo – e ficava uma merda, porque os caras queriam arrumar.

Andreas Kisser: E a gente escolheu também o Nas Nuvens porque a gente amava, eu pelo menos amo até hoje, o Cabeça Dinossauro (1986), do Titãs, produzido pelo Liminha, gravado lá. Então esse disco realmente...Ah, onde foi gravado? Foi lá? Então é lá é que a gente tem que ir.

Escolha pelo Scott Burns

Andreas Kisser: Outra possibilidade de produção foi o Jeff Waters, guitarrista do Annihilator, que também é produtor. A gente quase fechou com ele na época, ficou entre os dois. Mas o Scott era o cara que a gente mais queria, por causa do Morrisound, o Death, toda aquela cena da Flórida, que sempre influenciou muito o Sepultura – o Morbid Angel e tudo mais.

Iggor Cavalera: De repente podia ter sido legal pra caralho fazer com ele (Jeff Waters). Mas a nossa cabeça na época falou: “Não, mano, vamos fazer com o Scott Burns porque ele faz as bandas mais fodas”. E que também era o caminho mais rápido, vamos dizer assim, porque a gente não queria arriscar. Até porque, até então, a gente ainda estava em um grupo meio de risco da gravadora. Tipo, eles ainda não acreditavam 100% na gente. Ainda tava naquela: “Vai lá fazer o disco com os moleques e vê no que é que dá”. Depois do Beneath the Remains que eles conseguiram ver e falar: “Puta, não, não, realmente os caras sabem o que eles tão fazendo, vamos trazer eles pra cá pra fazer o Arise”.

Sobre trabalhar Scott Burns

Andreas Kisser: O Scott Burns veio para o Brasil e a gente teve uma química absurda, imediata. Ele chegou aqui de chinelo, já ganhou o apelido de “Tião”, era algo como “esse cara é mais brasileiro do que a gente”.

Iggor Cavalera: O Scott Burns trouxe um boombox, que era pra gente ir ouvindo as fitas que a gente ia gravando no estúdio. E aí no segundo dia já roubaram o negócio dentro do quarto dele no hotel.

Andreas Kisser: Ah, e ele trouxe um cabeçote da Mesa Boogie, que era a grande arma que a gente tinha. Porque aqui no Brasil não existia isso aí. Ele também trouxe as fitas, que era uma coisa que custava muito caro.

A polêmica com a capa

Andreas Kisser: A capa não era pra ter sido aquela, apesar de eu amar a capa agora. A gente se acostuma com isso, obviamente. E a gente foi obrigado a escolher a capa entre outros desenhos que o Michael Wheelan tinha mandado. Porque a primeira capa que a gente realmente tinha escolhido para ser o Beneath the Remains é a capa que eventualmente foi a capa do Cause of Death (1990), do Obituary.

Iggor Cavalera: A bronca foi do lance dos caras (da gravadora) terem decidido da cabeça deles de inverter as bolas ali. Mas arte por arte mesmo, hoje eu gosto mais do Beneath the Remains do que a que seria originalmente, que era o Cause of Death, do Obituary. Porque eu acho que até a coisa de ela ser um pouco mais estranha, aquele lance da caveira ser um pouco fora do centro e ficar um monte de espaço preto, hoje eu acho isso muito mais legal do que aquela coisa que todo mundo fazia igual, tudo centralizado. Mas a bronca mesmo não foi do desenho em si, mas mais dos caras simplesmente falarem: “Ah não, a gente deu essa aqui para os caras”. E, querendo ou não, o meu irmão que descobriu o Michael Wheelan, em um livro em um shopping, e fez a Roadrunner ir atrás do cara. Então por esse lado foi meio foda. Mas de desenho em si, eu acho os dois legais pra caralho.

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A capa do álbum Cause of Death do Obituary.

Andreas: Com o Arise, acho que a gente conseguiu fazer realmente o disco que a gente queria, com o livreto, com as fotos que a gente quis, com as letras. A capa foi exclusiva pra gente, o Michael Wheelan fez uma capa. E a gente conquistou tudo isso através do Beneath the Remains.

Videoclipe de “Inner Self”

Andreas Kisser: E teve também o primeiro clipe, da “Inner Self”. E isso foi muito interessante também porque a gravadora ficou surpresa com a reação que o Beneath the Remains teve – o disco vendeu pra caralho muito rápido. Aí a gente tava no Brasil e de emergência eles falaram: “Ah, a gente precisa de um videoclipe”. E a gente: “Ah, caralho, que foda, do caralho. Mas como é que a gente vai fazer isso? (risos)”. Aí nós achamos uns amigos aqui e fizemos o clipe. E se você ver o clipe da “Inner Self”, ele não tem nada a ver com nada, mas tem tudo a ver com tudo. Porque a gente tava mostrando o Brasil, mostrando São Paulo, atravessando a Avenida Paulista, mostrando a galera do skate, que ficava com a gente, jogar futebol, que a gente curtia. E um show que a gente fez no Projeto SP, um puta showzaço, praticamente o show de lançamento do Beneath the Remains aqui no Brasil, que foi um dos maiores shows que a gente fez na nossa história até aquele momento.

Gastão Moreira (Kazagastão, ex-MTV): Assisti ao vídeo numa feira que a MTV fez um mês antes de entrar no ar e fiquei arrepiado. Tecnicamente o clipe é tosco, mas é um registro muito importante de um Sepultura que iria tornar-se gigante pouco tempo depois. O vídeo tornou “Inner Self” um clássico e foi tocado à exaustão no meu querido Fúria Metal, tornando o metal brasileiro motivo de orgulho nacional.

Primeira turnê internacional, com o Sodom na Europa, e recepção fora do país

Andreas Kisser: Foi maravilhoso, né mano? A gente tava realmente preparado, ensaiava todos os dias. A gente chegava lá para tocar e destruía. A gente tava muito com sangue nos olhos. Fomos sem equipe, usamos os roadies do Sodom.

Paulo Junior: Foi superlegal. Era o sonho de qualquer moleque que tocava heavy metal naquela época ter a possibilidade de sair para fazer uma turnê. Além de ter esse lado de estar superfeliz e supercurioso, a gente também teve a preocupação de ter uma... Nós fizemos uma sequência de shows muito grande. Então a gente não sabia realmente como seria, como aconteceria isso. E acabou sendo muito mais proveitoso do que a gente imaginava. Você fazer uma sequência de shows, isso te ajuda bastante. Então esse foi um desafio que a gente tirou de letra. E acabamos realmente vendo que isso era algo que beneficiava o artista, no contexto geral da coisa. Você tinha que estar na estrada, independente do que você faz. Se você é músico, você tem que estar mostrando o seu trabalho ao vivo, isso que é a parte mais interessante e mais bacana.

Andreas Kisser: Então eles (Sodom) realmente estavam em um momento especial da carreira e a gente meio que entrou de gaiato. Na Alemanha realmente eles eram muito grandes – na Alemanha, na Áustria, os países de língua alemã. Mas fora da Alemanha a gente engoliu os caras, principalmente no Marquee, em Londres, e na França, no Gibus. A gente tocava e, sem exagero, 80% da galera ia embora, e eles tocavam pra 20% da galera.

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Foto: Divulgação.

Iggor Cavalera: Tinha uma empolgação (dentro da banda), mas a gente não tinha ideia (da proporção que o disco teria). Tinha essa empolgação que a gente sabia que ia sair fora, que o disco ia ser lançado nos lugares. Até então, a gente só tinha uma versão pirata do Schizophrenia que tinha rolado, que alguém pirateou na Alemanha e nos EUA – o que foi legal por um lado, mas não era aquela coisa oficial. Então a gente tinha, sei lá, um pouco de esperança. Mas aí, a partir do momento que a gente tocou fora, que eu lembro que o primeiro show abrindo para o Sodom foi em Viena. E eu lembro que a gente tocou as músicas e os moleques pirando em tudo que a gente tocou. E a gente tinha até uma ideia de que ninguém quer ouvir a banda de abertura, tipo os caras vão lá só pra ver o headliner, não importa o que você tocar aqui. E foi meio ao contrário esse lance com o Sodom. Às vezes, tinha muito mais gente para ver a gente do que o Sodom. A partir dali, a gente falou: “Puta mano, esse disco realmente tá foda”. Mas antes disso era muito mais um lance da nossa cabeça, de ficar fantasiando com esperança, mas a gente não tinha noção.

Andreas Kisser: E isso mostrou pra gente que...É muito motivante você ver esse apoio de gente que você nunca viu na vida, com camiseta do Beneath the Remains, cantando as letras da “Inner Self”, vindo da Hungria, do outro lado do Muro de Berlim, porque o muro ainda não tinha caído. A gente tava lá em setembro de 1989, eu acho. Nós inclusive tocamos em Berlim e fizemos uma foto com o muro de pé. Então uns caras da Hungria, da Polônia vindo para ver show era muito legal, era muito raro. E isso me causou um impacto muito forte, de ver realmente que a música tem um poder absurdo de penetração, de chegar em lugares que você nunca imaginou.

Primeira turnê nos Estados Unidos

Andreas Kisser: O Beneath the Remains também levou a gente para os EUA. A gente ficou na Europa e foi direto para os EUA. Acho que ficamos uns quatro meses fora do Brasil na nossa primeira turnê internacional. Foram praticamente dois meses na Europa e mais dois nos EUA. Pô, o Metallica foi assistir a gente, conhecemos o pessoal do Exodus. Lá na Bay Area foi todo mundo, todas as bandas – Death Angel, Vio-lence, Exodus, o pessoal do Testament, foi todo mundo lá. Era incrível de ver, a curiosidade que o Sepultura criava na galera. Porque não tinha internet, né? A galera escutava história, não sabia nem falar Sepultura direito, falava “Sepaultura”, tipo “como é que são os caras?” (risos). E a foto do Beneath the Remains atrás é mais obscura ainda, porque é uma coisa escura, que você nem vê quem é quem na banda. Mas criou uma aura de misticismo que foi muito positiva pra gente, a galera ficou curiosa pra ver isso de perto. Então era sensacional, poder conhecer os nossos ídolos e eles querendo conhecer a gente. Puta mano, coisa mais linda do mundo.

Primeiro show no México

Iggor Cavalera: A história desse show acho que é uma das coisas mais cabulosas do mundo. Era a primeira vez tocando no México, na turnê do Beneath mesmo, e a banda de abertura estourou o PA. A gente tava no camarim, o lugar lotado, e o cara entrou e falou: “Ó, o PA foi pro saco”. Aí a gente falou: “Puuuta, e agora?”. Aí o cara falou: “Ahh, sei lá, não tem como trocar isso aí, se vocês quiserem cancelar, tudo bem”. E eu lembro que eu olhei pro meu irmão e falei: “Ah, vamos tentar fazer, né?”. Aí eu lembro que a gente plugou lá as paradas, plugou o vocal em mais uns amplificadores e fez sem PA. Então, além daquele show ser uma puta maluquice, não tem PA naquele show, é só o som do palco com os moleques cantando. E é aquele tipo de coisa que a gente poderia ter perdido se a gente falasse algo como: “Não, vamos cancelar, porque não vai ser o show perfeito e não sei o que”. O que teria sido uma cagada mortal, porque foi um dos shows mais legais. Principalmente porque alguém filmou, porque naquela época quase ninguém filmava. Então não era um lance comum. E esse show foi meio isso, quase que não rolou.

Primeira vez que ouviu o disco

Pedro Poney (Violator, Abismo): A primeira vez que eu ouvi o Beneath the Remains deve ter sido ali pelo fim dos anos 1990, mais ou menos, que era uma época que eu e eu meus amigos – que viríamos a formar o Violator – estávamos descobrindo essa coisa que era o thrash metal. Naquela época, em um mundo de transição entre off-line e on-line, as coisas ainda se perdiam na nossa cultura. E o thrash metal era uma cultura perdida naquele momento, no fim dos anos 1990. Era uma palavra esquecida até assim, o thrash. E aí a gente tava nessa redescoberta dos primeiros discos do Kreator. E o Beneath the Remains foi logo um dos primeiros discos que apareceram. E foi muito marcante, porque eu acho que nunca tinha ouvido nada tão rápido, tão violento, com uma energia tão concentrada. Eu nunca mais fui capaz de escutar o Sepultura da mesma forma.

Spencer Hazard (Full of Hell): Na verdade, cheguei tarde ao Beneath the Remains. Já era fã do Chaos AD e do Arise, mas nunca tinha realmente feito meu caminho em direção até ele até bem depois. E agora é o meu disco favorito da banda. Adoro como é um álbum muito cru, mas ao mesmo tempo tão “cativante”. Uma mistura perfeita dos seus trabalhos anteriores e para onde eles iriam seguir com o Arise.

Impacto do disco

Gastão Moreira: O Beneath the Remains consolida uma evolução que começou com a entrada de Andreas Kisser no álbum anterior, Schizophrenia. A inocência dos primeiros discos é trocada por disciplina e profissionalismo. Confesso que não gosto muito da produção do Scott que deixou a desejar no peso das guitarras.

Boka (Ratos de Porão): Acho que o maior impacto pra mim foi quando saiu o Schizophrenia. Não dava pra acreditar que era uma banda nacional. Um passo à frente em todos os sentidos. O Beneath já foi aquela confirmação de expectativa, de a gente pensar e dizer: “essa banda é a melhor, sem sombra de duvidas”.

Músicas favoritas

Nate Newton (Converge): Costumo ouvir o disco inteiro, de cabo a rabo, mas as músicas que sempre costumava colocar nas mixtapes são “Primitive Future” e “Stronger Than Hate”.

Spencer Hazard (Full of Hell): A “Stronger Than Hate” é não apenas a minha música favorita do disco, mas a minha faixa favorita do Sepultura no geral.

Iggor Cavalera: Acho que, para mim, a “Mass Hypnosis” ainda é a mais legal de tocar ao vivo. Ela tem um puta som, de trabalho de bateria também, acho que ficou bem legal. E voltar a estar tocando isso foi legal pra caralho.

Legado do Beneath the Remains

Andreas Kisser: O Beneath the Remains realmente foi uma porta para o mundo, a primeira vez que a gente saiu do Brasil para tocar e representar o Sepultura, a nossa música, através do Beneath the Remains, que foi realmente muito bem aceito pela galera imediatamente. Tanto é que depois a Roadrunner depois relançou o disco com um pôster da banda, com as letras, do jeito que a gente queria realmente fazer em princípio.

Paulo Junior: Acho que o Beneath foi a abertura das portas. Porque levou a gente a ter a possibilidade de fazer uma primeira turnê internacional, de conhecer lugares fora do país e nos preparar para os anos que viriam na sequência. Acho que foi um marco na carreira internacional da banda.

Boka: Foi um divisor de águas, né? Acho que mostrou a banda em excelente forma, meio que um auge. Talvez seja o melhor disco do estilo que saiu. Qualidade impecável. Colocou o metal nacional como algo de total relevância na época e historicamente.

Nate Newton: Acho que ainda se mantém (depois de todo esse tempo). Há um lugar especial no meu coração para a produção de metal/crossover/hardcore daquela época – apesar de algumas vezes ouvir esses discos e pensar como eles soariam com o tratamento e as ferramentas que estão disponíveis hoje. Houve muito tempo para aprender como gravar esse tipo de som desde então. Quando o Beneath the Remains saiu, tudo ainda era muito novo. Acho que o Beneath marcou o início dessa progressão e deixou claro que essa era uma banda para você prestar atenção.

Gastão Moreira: O Beneath the Remains encontra um Sepultura mais maduro em todos sentidos. Nesse disco eles abriram caminho para o som poderoso executado nos sucessores de Beneath. As composições são mais elaboradas, a voz do Max está mais consistente e o Iggor revela-se um baterista diferenciado.

Spencer Hazard: Como disse anteriormente, penso que é o melhor disco deles, mas talvez mais um favorito das pessoas no underground. Penso que deveria ser tratado com mais respeito no mainstream, juntamente com o Roots ou o Chaos.

Pedro Poney: A impressão que eu tenho é que o disco continua sendo um passo fundamental de internacionalização do metal brasileiro. Acho que, se eu posso dizer hoje pela perspectiva de uma banda que tem viajado pelo mundo, o Beneath the Remains é uma pedra fundamental na nossa construção da internacionalização do metal brasileiro. Então acho que todas as bandas, desde as bandas que tavam junto com eles na época até as bandas que vem hoje, tem que reconhecer isso. Acho que todos nós que nos sentimos parte dessa comunidade, dessa comunidade de contracultura, temos que agradecer e reconhecer o Beneath the Remains como uma pedra fundamental no processo de colocar a nossa cultura cada vez mais próxima do mundo. E é assim que funciona, o heavy metal tem que ser um negócio sem fronteiras.

*As declarações de Max Cavalera contidas aqui foram publicadas originalmente em novembro de 2018 em outra reportagem da VICE Brasil, também feita por este que vos escreve, quando o músico estava no país para uma tour focada no Beneath the Remains e no Arise, que inclusive acaba de ganhar novas datas para junho – saque o cartaz abaixo.

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Pela primeira vez no Brasil, Pussy Riot ainda acredita no ativismo jovem: “Nós devemos ser maiores do que nossos medos”

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Após oito anos de rostinhos bonitos, clipes distópicos e feminismo de guerrilha, o grupo Pussy Riot finalmente chega em São Paulo para o festival Garotas à Frente e lançar o livro Read and Riot, escrito por Nadya Tolokonnikova, umas das fundadoras do grupo.

O Pussy Riot ganhou atenção mundial após organizar um protesto improvisado em uma catedral de Moscou contra o presidente Vladimir Putin em 2012. A apresentação contra o Kremlin não durou muito tempo na catedral sem a intervenção de segurança parrudos tentando conter quatro jovens russas de balaclavas coloridas, mas a resposta foi severa. Três integrantes do grupo Maria Alyokhina, Yekaterina Samutsevich e Nadezhda Tolokonnikova foram sentenciadas pela justiça russa por “vandalismo motivado por ódio religioso” no mesmo ano e ficaram presas quase dois anos pelo protesto até receberem perdão de Putin em 2013 (altamente criticado pelas mesmas).

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Nadya Tolokonnikova. Foto: Sasha Sofeev/Divulgação.

Formado em 2011, o Pussy Riot se destacou principalmente através de manifestações em grande eventos mundiais como as Olimpíadas de Inverno em Soichi em 2014 e a invasão na final entre França e Croácia na Copa do Mundo em 2018, sediada em Moscou. Com a implacável perseguição do Kremlin, a banda acabou caindo nas graças de organizações de direitos humanos como a Anistia Internacional como uma espécie de representante da liberdade de expressão e ativismo feminista.

Claro que peitar o líder de uma das maiores (e doidas) nações do mundo trouxe consequências. Além das detenções, das agressões e precisarem evitar pisar em solo russo em 2018 o ativista Piotr Verzilov teve que ser levado às pressas a um hospital após ser envenenado na Rússia. Para Nadya que é casada com Piotr e mãe, o perigo não a intimida. “Prefiro não ficar obcecada na possibilidade de estar correndo perigo toda hora,” conta uma das fundadoras ao Noisey antes de aterrissar no Brasil. “Quando tomei a decisão de estar na Rússia e lutar pelos meus direitos, apenas aceitei como uma possível consequência que poderei ser presa, agredida ou morta. Nós precisamos ser maiores do que nossos medos.”

Musicalmente, apesar da banda ser classificada como punk rock pela imprensa musical, Nadya diz que o grupo sempre se considerou eletrônico. “A gente só pegou uns samples de bandas como Sham 69 para nossas músicas e gritamos nossas letras maravilhosas e terríveis em cima de tudo isso. Então, desde sempre nós somos artistas eletrônicos.” Ainda segundo a artista russa, não há estratégias ou planos quando se trata de lançar músicas, apenas diversão. “Nós rimos muito de nós mesmas,” diz.

Ano passado, o grupo lançou o single “Bad Apples”. A faixa foi feita com o músico e produtor Dave Sitek, uma das inspirações musicais do grupo ao lado de Rammstein, Slipknot, IC3P3AK e Charli XCX.

Após se apresentarem na Argentina e elogiarem o movimento pró-aborto do país, Nadya diz que bota muita fé nas gerações jovens pelo mundo que desejam fazer diferença e lutar por direitos iguais e justiça social. "Acredito muito nisso. Eu viajo muito e já percebi que muita gente está de saco cheio com esse sistema antigo de distribuição. Mais do que isso, acredito também que os próprios eleitores do Trump estão cansados do que têm rolado, mas ainda não sacaram que eles possuem uma opção melhor."

Com a recente explosão do movimento feminista e a apropriação das pautas como slogans publicitários, Nadya também se mostra mais positiva ainda. "Não me mata por dentro saber que grandes corporações acham que o feminismo é algo legal. Pelo contrário, acho uma puta vitória que conseguimos deixar isso popular. Porém, como ativistas, nós devemos sempre andar para frente e sermos autoindulgentes. Precisamos sempre trabalhar nas coisas mais radicais."

Pussy Riot no festival Garotas à Frente
Evento: https://www.facebook.com/events/285488125446518/
Data: 20 de abril de 2019
Horário: a partir das 16 horas
Local: Fabrique Club
Endereço: Rua Barra Funda, 1071 (Barra Funda - SP)
Ingressos online: R$ 80,00 (1º lote - promocional e estudante), R$ 100,00 (2º lote - promocional e estudante)
https://pixelticket.com.br/eventos/3119/festival-garotas-a-frente-pussy-riot
Censura: 12 anos

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O que o caso do DJ Rennan da Penha diz sobre estado atual do Judiciário brasileiro

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A participação do funkeiro carioca Kevin O Chris no show do trapper Post Malone no Lollapalooza, desvelou as desigualdades sociais e contradições culturais coloniais entronizadas no cerne do Brasil. No festival multinacional de ingressos a R$ 800 e denunciado por usar mão de obra escrava, o funk 150 BPM “Vamos Para Gaiola” era cantada em coro. Enquanto isso, na favela da Vila Cruzeiro, o tal Baile da Gaiola citado na música está fechado desde fevereiro e o DJ Rennan da Penha, principal articulador da festa e do renascimento do funk carioca com o ritmo acelerado, tem sua prisão decretada sem provas concretas.

Tentativas de criminalização e violência contra o funk são recorrentes e bem conhecidas. O caso de Rennan, no entanto, desponta como um dos mais agressivos exemplos dessa criminalização. E conforme a poeira vai assentando, as contradições da prisão e complexidades do processo mostram-se envoltas numa rede maior de distorção política do sistema judiciário brasileiro pós-Operação Lava Jato.



A ACUSAÇÃO

Rennan enfrenta uma denúncia de associação para o tráfico desde 2016. Naquele ano, ainda foi preso provisoriamente por seis meses depois de passar um tempo foragido. Pouco depois foi julgado e absolvido por falta de provas. Contudo, no último dia 20 de março, o Ministério Público do Rio de Janeiro desengavetou o processo e o Tribunal de Justiça do Rio reverteu a decisão da primeira instância, determinando a prisão do DJ por supostamente atuar como “olheiro” ou “atividade” do tráfico.

Aqui já começam as controvérsias. O princípio do duplo grau de jurisdição — ou seja, a possibilidade de recorrer a uma instância superior para reavaliar a sentença — é reconhecido como um direito do réu, não do acusador. Tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário sem reservas — como o Pacto de São José da Costa Rica e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos — demonstram ser direito de "toda pessoa" recorrer da sentença a um tribunal superior, bem como “toda pessoa declarada culpada” por um delito terá direito de recorrer da sentença condenatória e da pena a uma instância superior. Como o Ministério Público não é uma pessoa, e o acusador privado não é declarado de culpa, o duplo grau cabe apenas ao réu. Além disso, a Constituição garante a “ampla defesa com os meios e recursos a ela inerentes” e não uma ampla acusação que continue após a absolvição.

“O duplo grau de jurisdição está previsto no rol de direitos e garantias individuais, ali no artigo quinto da Constituição, que, como o nome diz, estabelece direitos do indivíduo — não da sociedade ou do Ministério Público. Portanto, é óbvio que ele é um direito do réu, porque numa disputa criminal de um lado você tem o indivíduo e do outro o Ministério Público, que é o Estado acusador”, explica Rafael Borges, membro da Comissão de Segurança Pública da OAB/RJ. No artigo “Duplo grau de jurisdição no processo penal brasileiro, o professor Geraldo Prado elucida: “Se ela (a acusação) não chegar a ter sucesso em sua pretensão, não lhe resta mais nada, e efetivamente se consolida a absolvição nesse plano. Caso seja vencedora, ao condenado se assegurará o direito à revisão da decisão, pois este é o princípio do duplo grau de jurisdição em sua dimensão substancial”. Mas na prática o funcionamento é outro. “Isso é uma posição doutrinária que na verdade não tem nenhuma aceitação prática no processo penal brasileiro. Ninguém leva à sério e o MP vive recorrendo”, diz Rafael.

O Ministério Público apresentou dois testemunhos como prova de acusação. O primeiro é de um adolescente creditado como R.M.S., que confessou em sede policial o seu envolvido com tráfico de drogas e afirmou que Rennan “é conhecido como DJ dos bandidos, sendo responsável pela organização de bailes funks proibidos nas comunidades do Comando Vermelho, para atrair maior quantidade de pessoas e aumentar as vendas”. A outra fala é do Delegado de Polícia Carlos Eduardo, que reiterou a acusação dizendo que Rennan relatava para traficantes via WhatsApp a movimentação de policiais no morro. No entanto, uma testemunha de defesa, ativista do morro, afirmou que Rennan não tinha envolvimento com o crime e que este tipo de mensagens era enviada para alertar aos moradores. Dois policiais militares da UPP local também foram ouvidos e, segundo consta no acórdão, “nada referiram sobre a possível prestação de informações de Rennan à associação que domina o tráfico de entorpecentes na comunidade”. Um deles ainda “declarou que não conhecia” o DJ.

É normal que a palavra de certas testemunhas tenham mais peso que a de outras? Em 2013, a súmula 70 do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro determinou que o fato das provas orais restringir-se à palavra de um policial “não desautoriza a condenação” de uma pessoa, sendo o suficiente para incriminar alguém. “A prova que vem da boca do policial é valorada mais positivamente do que outras provas. Mas nada justifica que em um processo com testemunhas de fontes diversas você valorize algumas em detrimento de outras”, diz Rafael Borges. “Até porque, se as testemunhas estão divergindo, você tem que dar o benefício da dúvida ao acusado. E na dúvida você tem que absolver. A sentença penal condenatória só pode ser resultado de um juízo de certeza absoluta”, explica.

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Imagem de Rennan anexada ao processo.

Incorporada na segunda instância, uma foto de Rennan com uma arma longa é ponto chave na sua prisão. O DJ afirmou tratar-se de uma arma de brinquedo, feita com madeira e fita isolante para o Carnaval. O Tribunal de Justiça não se importou com o argumento do funkeiro. “Parece evidente que a exibição de uma arma (pouco importa se verdadeira ou não) contribui, sem dúvida, para mostrar a existência de um grupo criminoso armado”, escreveu o desembargador Antônio Carlos Nascimento Amado no acórdão. “Por quê alguém iria se exibir com uma arma fictícia, a não ser para demonstrar poderio e arrogância?”.

Guilherme Pimentel é advogado participou da fundação da Associação de Profissionais e Amigos do Funk (Apafunk) e coordenou o Defezap, rede de denúncias de violência de Estado no Rio. Ele critica este trecho do processo fazendo um paralelo com o sucesso de “Tropa de Elite”. “Quando foi lançado o filme, no Carnaval seguinte um monte de gente foi fantasiada de Capitão Nascimento, sabendo que é um personagem que comete inúmeros crimes ao longo do filme, como tortura e assassinato. Isso não foi visto como uma demonstração de poderio bélico. É um personagem do meio artístico e as pessoas se referenciam a ele. O que fica evidente é que quando esse meio artístico é o funk, é da favela, da negritude, isso é visto como perigo. É visto como se fosse o próprio bandido. E não é. As representações estão presentes em todas as partes, mas no funk vira caso de polícia”, observa. Vale lembrar ainda que meses antes o então candidato Jair Bolsonaro estava simulando uma arma com o tripé de uma câmera enquanto falava em “fuzilar” seus adversários de disputa presidencial, mas o atual presidente não teve maiores problemas com isso.

Outra evidência levantada pelo Ministério Público e destacada pelo Tribunal de Justiça no acórdão são postagens feitas por Rennan no Facebook . “Chamam a atenção também as fotos de possíveis pessoas mortas, com referência de afeto e saudades, sem explicação para uma divulgação através do meio utilizado, salvo uma possível exaltação à morte durante a repressão ao tráfico”. Em outras linhas, o Ministério Público e o Tribunal de Justiça entendem que o luto neste caso não tem outro motivo além de exaltar o crime.

Diante da ausência de outros elementos de prova, sem uma materialidade do crime, Rennan foi absolvido em 2016. A sentença apontou que neste contexto “emerge uma dúvida, suficiente para afastar um decreto condenatório”. Mas o Ministério Público recorreu à segunda instância, e o Tribunal de Justiça do Rio considerou que estes elementos, mais “a confissão do próprio Rennan de que organiza os bailes funk [na Vila Cruzeiro] e recebe rendimentos através dessa atividade” eram suficientes para comprovar a associação do DJ para o tráfico, revertendo assim a decisão da primeira instância e condenando-o a seis anos e oito meses de prisão.

Ativistas, pesquisadores, alguns funkeiros e entidades civis criticaram a prisão. Em nota, a Comissão de Defesa do Estado Democrático de Direito da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) manifestou “preocupação” e descreveu os argumentos apresentados pelo Tribunal de Justiça como uma “teratologia” — em outras palavras, uma decisão judicial absurda ou aberrante. Rechaçando particularmente o “juízo de valor negativo em relação a alguém que demonstra afeto a pessoas que faleceram na falida guerra às drogas”, a OAB repudiou o “uso do sistema de justiça criminal contra setores marginalizados da sociedade com a finalidade de reproduzir uma ideologia dominante em detrimento da cultura popular”.

CRIMINALIZAÇÃO DO FUNK

Não é a primeira vez que o funk é vítima de um processo recheado de controvérsias e irregularidades jurídicas. Em novembro de 2010, a Vila Cruzeiro (mesmo local do Baile da Gaiola) e o Complexo do Alemão foram invadidos pelo Exército, Marinha, Aeronáutica e Polícias Civil, Militar e Federal para instalação da UPP. Um mês depois, os MCs de proibidão Smith, Max, Frank, Tikão e Dido foram detidos através de uma ordem de prisão temporária pelo prazo de trinta dias, quando o máximo possível é o de cinco. Trinta dias só é admissível em caso de crimes classificados como hediondos, o que não era o caso dos MCs, que foram acusados de associação para o tráfico e apologia ao crime, conforme detalha o pesquisador de funk proibidão Carlos Palombini no artigo “Funk Proibido”.

De certo modo, existe uma continuidade entre as prisões dos MCs de proibidão e do DJ da Gaiola. Mas a ruptura parece ser bem maior. O caso de Rennan da Penha demonstra uma complexificação dos mecanismos acusatórios. “Rennan é o número um da atualidade do funk carioca em termos de alcance, de repercussão, de movimentar as bases. É verdade que a criminalização do funk atingiu alguns artistas famosos. Mas atingir o mais famoso, na crista da onda, com esse grau de intensidade jurídica é a primeira vez, o que torna o caso um simbolismo de ataque ao funk como um todo”, analisa Guilherme Pimentel.

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Guilherme Pimentel, advogado e cofundador da Apafunk. Divulgação.

Ao lado da Apafunk, Guilherme atuou como consultor jurídico dos MCs de proibidão detidos em 2010. Sobre as similaridades e diferenças dos casos, ele afirma: “Se em 2010 a gente tava falando de uma prisão provisória feita a pedido de uma delegada durante inquérito policial, dessa vez a gente tá falando de uma condenação em segunda instância conseguida a partir de um pedido do Ministério Público (não mais de uma unidade policial), tornando esse caso do Rennan o mais judicialmente agressivo dos casos que atingiram o funk, até onde eu sei. É uma decisão que só pode ser revertida em Brasília, há uma redução do repertório de defesa”.

PRISÃO SEGUNDA INSTÂNCIA

A prisão de Rennan envolve ainda uma outra polêmica, a maior e mais complexa delas: a prisão de condenados em segunda instância. É a mesma questão que atravessa a prisão do ex-presidente Lula e outros condenados pela Operação Lava Jato. No Brasil, há três instâncias, também chamadas de graus de jurisdição. Na primeira instância começam os processos judiciais. Quem julga é um juiz, de forma monocrática, individualmente. Se uma pessoa é acusada de um crime, ao final o juiz determina a sentença (culpado ou inocente) e uma pena. Mas o condenado em primeira instância pode recorrer a uma segunda instância, que é formada por um grupo de desembargadores que vão reavaliar o caso, podendo reverter ou confirmar uma condenação e alterar sua pena. O Ministério Público, responsável pela acusação, e o condenado podem recorrer ainda à terceira instância, o Superior Tribunal de Justiça. Depois disso tudo, ambas as partes ainda podem levar o caso ao Supremo Tribunal Federal, que avalia se o processo seguiu os ditames da Constituição Federal. Daí ocorre uma pergunta: mas quando é que uma pessoa deve ir presa?

O artigo 5º da Constituição da República lista uma série de direitos e garantias fundamentais que são considerados cláusulas pétreas. Isto é, cláusulas de pedra. “Estas cláusulas não podem ser ser mudadas nem se todos os parlamentares quiserem. É como se fosse uma base fixa da nossa democracia”, explica Guilherme Pimentel. “Ali no Artigo 5º estão, por exemplo, o direito à vida e o direito à liberdade. No Inciso 57 fala que ‘ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória’. Isso significa que ninguém poderá ser considerado culpado até o último recurso possível. Quando não há mais para quem recorrer, quando a decisão é final e já não tem mais como mudá-la, derrubá-la ou não, aí sim considera-se que o processo transitou em julgado. Ou seja, essa é a decisão final. E aí sim a pessoa pode ser considerada culpada e vai cumprir pena”, elucida.

No entanto, em fevereiro de 2016, dois anos após o início da Operação Lava Jato, o Supremo Tribunal Federal apresentou uma interpretação controversa para esta cláusula pétrea. Sob o argumento de acelerar as prisões para impedir a impunidade, o STF decidiu que uma pessoa deveria começar a cumprir pena logo após condenação na segunda instância. No Habeas Corpus número 126.292 aprovado pelo STF em votação apertada (6x5), lê-se que a execução da prisão em um caso “ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo artigo 5º da Constituição Federal”.

Antes mesmo de entrar na discussão sobre esta interpretação do STF, no caso do DJ existe um detalhe técnico importante, salientado por Rafael Borges, da Comissão de Segurança Pública da OAB/RJ. “Pelo entendimento do Supremo que prevalece hoje, a execução provisória da pena é admitida desde que o acórdão da segunda instância esteja confirmando uma condenação. No caso do Rennan, não existe acórdão confirmatório. Ele foi absolvido na primeira instância e a segunda instância está revertendo a decisão”. Foi baseando-se exatamente nesta jurisprudência que a defesa do funkeiro entrou com pedido de habeas corpus para que ele respondesse em liberdade. No entanto, o HC foi negado pela ministra Rosa Weber e as justificativas não foram divulgadas.

A prisão em segunda instância é criticada no meio jurídico por entrar em conflito com o princípio da presunção de inocência, assegurado pelo citado Artigo 5º da Constituição. A OAB e partidos políticos entraram com ações questionando essa interpretação do Judiciário. Desde novembro de 2017, essas ações foram liberadas pelo relator do Supremo Tribunal Federal, o ministro Marco Aurélio Mello, e estavam prontas para serem votadas, mas a então presidente do Supremo, a ministra Carmén Lucia, não colocava o julgamento na pauta. Em janeiro de 2018, Lula foi condenado em segunda instância na Lava Jato pelo tríplex do Guarujá e o assunto voltou à tona, desta vez com contornos políticos acentuados. No julgamento de seu habeas corpus, em abril de 2018, Lula já era pré-candidato à presidência e liderava as pesquisas. O ministro Gilmar Mendes indicou uma mudança de opinião sobre a prisão em segunda instância. Um ano antes, ele defendia este tipo prisão, mas agora sugeria uma mudança de voto, abrindo espaço para uma decisão favorável ao HC do ex-presidente. Na véspera do julgamento, o General Villas Boas, então chefe do Exército, publicou no Twitter uma mensagem pedindo “o fim da impunidade”, indicando de forma velada que as Forças Armadas achavam que Lula devia ser preso. E assim foi: o ex-presidente teve o HC negado e depois foi preso.

Desde então, a pauta da prisão provisória (pedida pela OAB) ainda não foi votada no Supremo Tribunal Federal. O assunto seria apreciado pelo plenário dia 10 de abril, mas o presidente da câmara, o ministro Dias Toffoli retirou o tema de pauta após pedido de adiamento pela própria OAB. Uma nova data não foi marcada, aliviando o Supremo de uma boa pressão política. Afinal, se decidisse contra a prisão em segunda instância, teria de liberar Lula. E o julgamento do ex-presidente ocorrerá logo mais.

Essa mesma jurisprudência do STF sobre a prisão em segunda instância que atualmente sustenta a prisão preventiva de Lula, também sustenta a prisão preventiva de Rennan da Penha. Os dois casos estão entrelaçados no mesmo problema jurídico, na mesma tensão em torno dos dispositivos democráticos.

Presidente da Comissão de Defesa do Estado Democrático da OAB (aquela que emitiu a nota sobre Rennan e criminalização do funk), Luiz Guilherme Vieira preferiu não entrar neste assunto específico. Disse que não era papel da Ordem comentar o processo, preferindo retificar o conteúdo da nota publicada. Por outro lado, Rafael Borges, da Comissão de Segurança Pública, é enfático ao criticar a “interpretação distorcida, diversionista do dispositivo constitucional” do STF sobre essas prisões em segunda instância. “Hoje você tem uma situação bizarra em que o sujeito não pode ser considerado culpado mas pode estar preso. Preso sem culpa formada. E aí você pode ter uma situação em que o Supremo e o Superior Tribunal de Justiça reformem a decisão que o condenou. E aí você faz o que com o tempo que ele ficou preso? Como você restitui tempo de vida? Não tem indenização que cubra isso. O sistema penal brasileiro não foi concebido para prisão em segunda instância, não temos só duas instâncias em matéria criminal no Brasil”, defende.

O advogado critica ainda o “manejo político da garantia constitucional”. Para Rafael, os instrumentos do processo penal estão sendo “usados como ferramentas de luta política”. “Você faz uma interpretação utilitarista e consequencialista do dispositivo penal para usar um determinado instrumento do processo penal (no caso a prisão) como ferramenta de luta política em casos emblemáticos”.

Guilherme Pimentel reflete o problema a partir de uma ideia que ele chama de “populismo penal”, situação em que os políticos se aproveitam de uma insatisfação geral da sociedade para tentar pedir o aumento do rigor punitivista. “Esse populismo penal gerou essa mudança de entendimento do STF, que passou a autorizar a prisão em segunda instância para viabilizar o processo de perseguições políticas que está acontecendo no país. E é a partir desse entendimento que o Rennan vai preso, porque o processo dele não transitou em julgado, não esgotou todas as possibilidades de recurso”, analisa. “De acordo com a Constituição, mesmo com essa decisão em segunda instância, ele deveria esperar em liberdade até o final do processo (até porque ele tem emprego fixo, residência, uma agenda de shows pública). Mas em virtude dessa conjuntura política em que o STF cedeu a essas pressões do populismo penal e alterou o que a própria Constituição diz é que o Rennan está correndo o risco de ir pra cadeia”, completa.

Guilherme enxerga a Operação Lava Jato como um destes movimentos de populismo penal. “Você tem o processo da Lava Jato bastante intenso com um certo ativismo judicial sendo um sujeito político que promete resolver os problemas do Brasil através do endurecimento penal e de uma flexibilização de garantias democráticas, o que é extremamente temeroso. Isso não dialoga com a democracia. É nesse contexto que vem toda a história da prisão em segunda instância”, aponta.

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A professora Adriana Facina.

Professora do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social pelo Museu Nacional (UFRJ) e pesquisadora do funk, Adriana Facina indica que este tipo de violência jurídica é praticada contra os mais pobres há tempos. “A ideia de prisão por suspeição, prisão por antecipação a um crime sem que o delito tenha sido de fato cometido é algo que pode criminalizar amplos setores da população. Isso foi usado contra os 23 processados na época da Copa. De certo modo, também é um pouco o que a Lava Jato usa, porque se baseia nas delações premiadas sem muitas provas materiais. No entanto, isso não é uma novidade. Se a gente for ver a história da república brasileira, é uma prática fundante. No código penal de 1890, tem lá um capítulo que criminaliza a capoeira e a vadiagem, por exemplo”, contextualiza.

Facina indica um via de mão-dupla que forma esta violência jurídica. “A Lava Jato criou um precedente que é importante para prender gente como Rennan da Penha. Por outro lado, a prisão de gente como Rennan é o que possibilita a existência da Lava Jato. Essas práticas se retroalimentam e mostram a armadilha que o Estado Penal representa”.

Na mesma linha, Rafael Borges diz que as prisões em segunda instância de políticos e outras figuras do topo da sociedade legitimam e intensificam a prisão de setores marginalizados da sociedade. “Hoje você tem milhares de pessoas presas em decorrência de sentenças confirmadas apenas pela segunda instância. E você vai ver que todas essas pessoas têm alguns traços em comum: a cor da pele, a renda baixa, a origem pobre, morar em território periférico”.

“É claro que tem as exceções, que confirmam a regra. O pessoal da Lava Jato, talvez um total de doze brancos ricos que estão sujeitos a mesma medida. Mas são as exceções”, avalia Rafael. “O sistema penal é sempre seletivo. Em qualquer lugar do mundo que você tem uma sociedade capitalista, ele atua sempre na base da pirâmide social. Quando ele eventualmente atua no topo da pirâmide, é na perspectiva de legitimar o excesso de violência praticado na base. Para cada um Eduardo Cunha preso, você tem milhares de jovens pretos, pobres, favelados sendo torturados, sendo sacaneados, escrotizados nas masmorras brasileiras”, conclui.

Em meio à este complexo e tenso jogo de forças políticas e jurídicas, Rennan da Penha teve sua prisão decretada. Não bastasse, sua inocência é colocada em dúvida na imprensa. O Fantástico exibiu de maneira sensacionalista uma filmagem da Polícia Civil que mostrava Rennan cumprimentando um traficante como se isto comprovasse um crime. O Extra listou as viagens, roupas de grife e os presentes que o DJ conquistou, tacitamente sugerindo estes bens como evidência de enriquecimento ilícito oriundo de suposto envolvimento com o tráfico. E assim vão se acumulando camadas de suspeição, um cortina de fumaça, sem nunca mostrar as provas concretas do crime.

Motivado pelo caso de Rennan da Penha, as deputadas federais Áurea Carolina e Talíria Petrone (do PSOL de Minas Gerais e do Rio de Janeiro, respectivamente) convocaram para o dia 25 de abril uma audiência pública sobre a criminalização do funk. “Rennan é famoso, negro e favelado. Sua arte conta a história das pessoas da favela e isso muitas vezes não é aceito pela elite cultural conservadora do Brasil. Mas, quando criminalizam o funk, estão, na verdade, criminalizando as favelas brasileiras, as pessoas que nelas moram e a rica e viva cultura que expressam, com repercussão em todo o país”, informa o texto do requerimento assinado pelas deputadas.

“A gente precisa valorizar a produção cultural artística das periferias — o hip hop, o funk, o samba produzido nas quebradas. Isso movimenta a economia dessas áreas mais precárias”, diz Talíria. “É preciso ter uma discussão no plano da cultura que fomente a produção artística dessas áreas, ao invés de ter o Estado atuando como repressor”, pontua, citando a operação policial em baile funk na favela do Salgueiro que terminou com sete mortos no fim de 2017.

ATUALIZAÇÃO: O DJ Rennan da Penha se entregou após ser localizado pela Polícia Civil, informa o Extra.

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Rica Pancita analisa os lançamentos da sexta #116

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Fala tu.

Depois de um feriadinho (dois feriadinhos no caso do povo fluminense) estamos de volta para os lançamentos da semana e saber o que vai dar pra ouvir no próximo feriadinho que é na semana que vem já. Tem que aproveitar os feriadinho enquanto o poder executivo do país não tira isso da gente. Nem sei se pode, mas já visualizo o pior cenário pras coisas. Então protejam os feriadinhos.

Não saiu lá tantas coisas assim, fora que acabei me enrolando nos prazos então não deu tempo de ouvir o novo do Mountain Goats e do Guided By Voices. Teve o novo do King Gizzard & The Lizard Wizard, mas esse eu ia ficar enrolando pra deixar por último de qualquer forma.

Teve outros? Teve outros. Mas aí azar dos outros que não foram capazes de estar numa lista tão prestigiada quanto a que você verá logo abaixo.

Vamo.

----TOPS DA SEMANA----

O Terno -
O primor que tá a produção desse disco tá bem acima da média nacional. Mas beeeem acima, de ficar bem na cara mesmo, num precisa tar sendo nenhum #audiófilo. Os metais e violinos encaixaram muito perfeitinho com a banda. O som para além do rockinho indie, tem uns QUÊ de samba-soul como “Eu Vou” que é total Cassiano e “Bielzinho / Bielzinho” que é Jorjão Ben até as última. É bom o disco, viu. Parabéns aí aos jovens.

----AS BOAS QUE TEVE TAMBÉM DA SEMANA----

Marina - Love + Fear
Bom, eu não fui pesquisar porque tem esse Love + Fear. O Love já tinha saído antes, aí pinta um segundo disco Fear e ok. Deve ser tipo Fame/Monster. Mas vamo lá. O som é meio que a mesma coisa que antes, pop-eletrônico de tocar em qualquer rádio FM, mas até que foi gostosinho de tar ouvindo. Tudo bem que ouvi logo assim que acordei, então tava meio sonado, mas foi legal. Se gosta de pop-eletrônico de tocar em qualquer rádio FM, então é um bom disco.

Salgadinho - “Sol e Sal”
Sambinha show demais feat. Ferrugem. Fico imaginando se fizeram alguma sacanagem na mesa de som na hora de gravar o Ferrugem, porque tá absurdamente nítido a SUPERIORIDADE VOCAL do Salgadinho. Enfim, sambinha show.

Black Keys - “Eagle Birds”
Bom, é o blues rock lá de sempre do Black Keys. Tá bem feitinho, tá legal de ouvir, mas é zero novidades.

Kevin Abstract - Arizona Baby
Cara, bom é. Mas ao menos na primeira audição não teve nenhuma música mais PÁ que tenha me puxado a atenção, como ocorreu nos discos do Brockhampton. Fui ouvindo e ouvindo e ouvindo e aí acabou o disco. De todo o modo vale tar ouvindo, se bem que imagino que uns 70% que leem isso daqui já deve ter ouvido, cês são muito é antenado.

Two Door Cinema Club - “Satellite”
Sonzinho ok, legalzinho, mas é aquele disco-punk que é a mesma coisa já faz mais de uma década. Aí dá uma cansadinha em mim. Em vocês já não tem como eu saber.

Twice - Fancy You
Sai tanta coisa de kpop que eu nunca sei se é disco novo mesmo ou se é coletânea, ou se é regravação em japonês. Tô chutando que esse EP seja de inéditas. E seguinte… pop legalzinho, mas o povo lá meio que estagnou né, parece. Tá faltando uma novidade. Ao menos nesse EP da Twice tá a mais pura normalidade “tudo como antes”.

Foxygen - Seeing Other People
O disco começa bem qualquer coisa, bem fraquinho, mas se você for forte e sobreviver às 3 primeiras músicas as coisas começam a melhorar BEM. A metade final é boa tal qual o disco anterior deles, Hang. Fica aquele meio classic rock, meio alt-folk que pra mim tá é show. Disco bom, seria melhor se fosse um EP e tirasse aquele bloco do início. Mas enfim, vai com eles mesmo.

----AS MAIS OU MENOS DA SEMANA----

Pitty - Matriz
O som é meio bobildo, é a principal coisa que eu tenho pra falar. Não significa que é ruim, você pode até gostar (eu pessoalmente não gostei), mas é bobildo. Apesar da #amplitude de influências, um negocinho mais latino, um Bahia Pride rolando, mas o resultado final fica um pop rockinho que nhéééé… Não é pra mim. Me faz lembrar o Muse, quase todas as faixas tem um negocinho de eletrônico que não orna legal. Não gostaria de lembrar do Muse.

Emicida - “Mil Coisas”
Pop “hoje eu tô romântico”. E é isso. Cafona como o gênero exige, se não num vai ter casal falando que é “a nossa música”.

Ride - “Future Love”
Sinceramente o som ficou muito tchubaruba pro meu gosto. Muito indie pop animadinho, muito GUITAR. Aí já não me bate muito não. Indie velho já tende a curtir mais, caso você seja um indie velho.

Prettymuch - “Phases”
Popzinho bem mediano, o que é uma pena. Aí o mercado é dominado por boy band coreana e os cara fica sem saber o porquê.


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Black Alien chega paciente e cirúrgico em 'Abaixo de Zero: Hello Hell'

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Com mais prazer em trabalhar que antes, Black Alien dividiu com o mundo seu terceiro disco no começo deste mês: Abaixo de Zero: Hello Hell. Nele, o Mr. Niterói se reinventa como artista e escritor, lida e expõe de uma forma corajosa os problemas que enfrentou por causa da dependência química, entrando em detalhes e minúcias, como quando aponta geograficamente um dos lugares que frequentava ("quem me busca na Augusta?").

A lírica bereta do primeiro volume de Babylon By Gus dá lugar a um Gustavo menos frenético, com uma levada que mesmo sem funcionar como uma metralhadora de palavras, revela porque ele sempre figura nas listas (sérias) entre os melhores MCs do país. A produção de Papatinho (Cone Crew Diretoria) percorre um caminho mais jazz e blues, mostrando que Black Alien não liga muito em se adequar à hegemonia do mercado brasileiro, que hoje passa pelo trap e o esquisito rap acústico.

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Black Alien. Foto: Marcola/VICE

Muitos disseram que Babylon By Gus, Vol.2 era a redenção e o grande expurgo de Black Alien em relação ao consumo de álcool e cocaína, entretanto, Hello Hell soa mais direto, cru e aberto aos problemas da dependência química. Para ele, o segundo disco acabou funcionando como uma interfase. "Foi duro escrever o Volume 2. Era um momento completamente diferente. Não conseguia juntar muito bem as ideias e eu ainda queria falar de tudo, só que eu queria fazer isso sem estar fazendo tudo, sob o efeito de remédio. Estava recuperando meu brilho mas ainda meio perdido. Neste disco [Hello Hell] eu sei um pouco melhor onde estou".

Diferente dos dois volumes de Babylon By Gus, para escrever Hello Hell Black Alien não tinha um material de consulta. Em 2004, antes de entrar em estúdio, o rapper possuía vários cadernos com rascunhos feitos durante os anos, que pegou em uma viagem a Niterói, na casa dos seus pais. Em 2014, quando começou a trabalhar no Volume 2, ele ainda guardava alguns versos, ideias que escreveu durante a internação, e contou com amigos próximos que lhe enviaram anotações que foram escritos em suas casas.

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Black Alien. Foto: Marcola/VICE


"Sentei pra escrever esse disco praticamente do zero. As letras foram saindo na hora. Tinha dia que eu sentava de manhã pra escrever e não saía nada até de noite. Em outros momentos, começava 9h e 13h tava ligando pro Papatinho falando que eu já tinha um verso inteiro pra gravar", conta Black Alien. "Eu sei que evoluí e acho que tô com mais paciência na criação. Tô mais calmo comigo. Antigamente eu sentava pra escrever sob o efeito de alguma coisa e acho que não tinha tanta paciência. Em alguns momentos eu trabalhava o flow, mas em outros eu tava sem paciência pra trabalhar, porque dava um puta trabalho. Eu meio que lia as coisas como texto e talvez saía como uma metralhadora por falta de paciência, ou não também, porque eu sentia prazer naquilo, de metralhar mesmo."

Em Hello Hell o poder de síntese de Gustavo, que sempre teve o mérito de funcionar como uma espécie de repórter caótico do mundo a sua volta, ficou mais claro. Na linha "Nunca mais é tempo demais", de "Carta pra Amy", ele resume em poucas palavras como um alcoólatra recebe a frase "nunca mais você vai poder beber", em oposição ao tratamento de um dia por vez. "Acho que a síntese vem com o tempo. É natural, não é pensado. É consequência de um maior volume de prática. Eu não praticava tanto. O número de músicas que eu tenho é muito parecido com o número das vezes que parei pra trabalhar. Pro Planet Hemp e pro Black Alien e Speed, eu sentava uma vez. Nesse disco eu sentei várias vezes pra escrever uma única música", explica o MC.

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Black Alien. Foto: Marcola/VICE

A velha expressão da língua portuguesa "a prática leva à perfeição" pode soar clichê e batida pra muitos, mas no caso de Gustavo, é a mais pura verdade. Sem parar pra estudar, o exercício de sentar e escrever constantemente ajudou na construção de versos elaborados, com rimas internas, jogo de palavras e multissilábicas. "Não parei pra ouvir nada, fui fazer o disco. Eu só trabalhei. Não tenho essa frieza. Não é muito meu jeito pegar um sábado e ir ouvir trap pra entender. Chega sábado e eu quero ouvir Miles Davis e AC/DC. Quando eu tava mal e não conseguia trabalhar, não dava pra ouvir outros MCs, porque eles estavam em forma, escrevendo pra caralho. Aquilo me apavorava. Quando comecei a trabalhar, colocava alguns nomes brasileiros e já tirava logo, ia trabalhar".

Responsável por ser um dos primeiros MCs a inserir versos em inglês no meio de seus raps e citar várias referências cinematográficas, Black Alien também sempre foi um artista que passeou por várias temáticas em seus versos, fugindo da estética gangsta que predominava no rap nacional na década de 1990 e 2000. "Eu falo de vários assuntos porque me interesso por vários assuntos. O mundo é ruim, mas eu gosto dele. Agora então, sem álcool, eu vejo as coisas claras. Acho que coisas ruins são ruins, mas as boas são boas. E eu gosto de falar sobre coisas. Um único assunto não é o meu jeito, o meu jeito é fazer um apanhado de coisas que observo. A minha projeção pra ser mais conhecido como rapper foi o Planet e lá a gente já tinha um leque mais amplo de temas. Depois, só continuei sendo eu. Se no mesmo verso cabe cinema, violência policial na favela e alguma filosofia que eu tenha lido, beleza."

Abaixo de Zero: Hello Hell foi produzido em três lugares diferentes. Começou na casa de Gustavo, na região de Cotia, em São Paulo, acabou no Recreio dos Bandeirantes, no Rio de Janeiro, e teve uma ponte no Anhangabaú, coração da Babilônia paulistana e local que Black Alien frequentou assiduamente durante os anos do "bolso cheio de pino". "Pra minha recuperação, tenho que antecipar um monte de coisa. Voltar pro botequim é fácil. Fui pra um lugar onde vivi bastante da minha adicção ativa pra me testar. Testar minha febre pra quando chegar o sucesso, o reconhecimento, a nova fase, os shows, a estrada, porque isso é uma coisa que testa bastante, independente de ser dependente químico ou não. Resolvi estar mais forte pra enfrentar tudo isso, já fui lidando de frente com meus demônios", lembra.

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Black Alien. Foto: Marcola/VICE

Ao contrário dos outros discos, Hello Hell não tem produção assinada por Alexandre Basa, mas sim pelo prodígio-bizarro Papatinho, que Gustavo conhece desde o começo dessa década e que começou a manter uma relação de trabalho em 2012, quando estava internado em uma clínica de reabilitação. "Respeitamos muito o fluxo, o que as coisas pediam. Se a gente sentia que não precisava colocar mais nenhum elemento no beat, não colocava. Se não precisava repetir o refrão, não repetia. Até a sonoridade jazz e blues não foi combinada", comenta Black Alien, que achou que não era a hora de usar elementos do reggae e do ragga. "Eu não tô ouvindo muito reggae. Tenho escutado Eek-A-Mouse, que é um cara que gosto muito e é muito importante pra minha formação. Quando coloco o disco dele parece que eu tô no ventre da minha mãe. É algo muito de cabeceira, de casa. Não senti o ímpeto de cantar daquele jeito no momento. Penso que posso contribuir humildemente pro reggae brasileiro. Mais pra frente pode ser que tenha um projeto mais pro lado do ragga e do reggae. Pode ser, mas não foi dessa vez."

Hoje, com 46 anos, mais de quatro anos de sobriedade, mais calmo, sentindo o prazer em trabalhar sem estar sob o efeito de drogas e tendo superado a insegurança e nervosismo de subir aos palcos sóbrio, Black Alien tenta se despedir diariamente da Babilônia, como deixa claro em "Capítulo 0". "Eu não bebo mais, mas não adianta eu ser o bico seco mau-caráter, o bico seco filho da puta. Em 2016, teve um dia que acordei meio mal, peguei o celular e abri uma rede social. Vi um post que me lembrou um dos poucos inimigos que tenho. E aí fui lá ver como a pessoa tava, porque achei que ela estava na merda. Ela estava e eu fiquei me deleitando com isso. Na hora eu pensei: 'Como assim, Gustavo? Você está achando isso bom?'. Alguma coisa ali mudou em mim. A partir disso, passei a cuidar da Babilônia que tenho dentro de mim e tentar ser um ser humano melhor. É aí que está o Babylon Bye Bye."

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